Nasa lança missão Mars 2020, com o jipe Perseverance, para Marte

A Nasa despachou nesta quinta-feira (30) mais uma de suas incansáveis missões marcianas. Mas esta tem sabor diferente, no estilo “O primeiro ano do resto de nossas vidas”. O rover Perseverance tem como foco o estudo das possibilidades de atividade biológica passada em Marte, enquanto pavimenta o caminho para o futuro da vida no planeta vermelho.

O lançamento, impulsionado por um foguete Atlas 5, aconteceu às 8h50 (de Brasília), a partir da plataforma 41 da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, na Flórida, dando início a uma jornada interplanetária de sete meses, em regime pouco festivo, devido à pandemia do novo coronavírus.

“Infelizmente não foi possível viajar para ver”, conta Ivair Gontijo, físico brasileiro do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, que participou do desenvolvimento da missão.

O jipe Perseverance, voando no interior de uma cápsula, deve realizar sua tentativa de pouso no mundo vizinho em 18 de fevereiro de 2021. Até lá, não terá por que sentir solidão, sabendo que voam a seu lado, praticamente na mesma trajetória de transferência da Terra a Marte, uma espaçonave dos Emirados Árabes Unidos e outra da China – o que por si só já dá uma medida de como o mundo está mudando.

O VELHO E O NOVO

Dos três participantes da atual jornada, aproveitando a janela que se abre a cada 26 meses para lançamentos até Marte (em razão do alinhamento planetário), a Nasa é a mais consistente e tradicional.

Para dar uma ideia disso, nos últimos 24 anos, a agência espacial americana só deixou de usar a janela marciana em duas ocasiões, em 2009 e em 2016. Foram ao todo 12 lançamentos para Marte no período, e apenas 2 missões perdidas (Mars Climate Orbiter e Mars Polar Lander, em 1999). Neste século, a Nasa ainda tem de saber o que significa fracasso na exploração marciana.

Isso contrasta com o esforço de chineses e árabes. Com o lançamento da Tianwen-1, a China faz sua segunda tentativa de chegar ao planeta vermelho – mas a primeira para valer. Antes disso, os chineses “cozinharam” às pressas um orbitador marciano em 2011, para voar acompanhado da sonda russa Fobos-Grunt. O foguete russo falhou, e as duas nem chegaram a deixar a órbita terrestre.

Nove anos depois, a China deixou de ser a “caroneira” dos russos e agora executa uma missão completa e ambiciosa. Usando um foguete Longa Marcha 5, com tecnologia 100% chinesa, a sonda Tianwen-1 é um projeto “três em um”: voam juntos um orbitador, um módulo de pouso e um rover. E não duvide se ela se tornar o segundo país no mundo a fazer um pouso bem-sucedido em Marte.

Fora os americanos, ninguém até hoje conseguiu. A Nasa pode ter feito parecer fácil, com seus 8 pousos de sucesso desde 1976 (com apenas uma falha, a já citada Polar Lander, de 1999). Mas nada poderia estar mais longe da verdade.

Tanto que o máximo que os soviéticos conseguiram, durante a Guerra Fria, foi pousar uma vez, em 1971, na missão Mars 3, e operar o módulo por 14,5 segundos, antes de pifar. E o outro país a bater na trave foi o Reino Unido, com a missão Beagle-2, em 2003. Imagens de satélite mostraram que o pequeno módulo até pousou direitinho, mas falhou em abrir seus painéis solares e, por isso, não conseguiu estabelecer comunicação com a Terra.

E a última falha num pouso marciano se deu há menos de quatro anos, em outubro de 2016, quando o módulo russo-europeu Schiaparelli se espatifou no solo por uma falha de software. Ou seja, não é fácil, e ninguém deve se chocar se a China falhar nesta tentativa.

Também não deve ser chocante se o Perseverance americano acabar não chegando inteiro ao solo de Marte. É bem verdade que o histórico ianque é excelente, e o mesmo método usado para colocar o novo rover no solo é o mesmo que serviu bem a seu antecessor, o jipe Curiosity, em 2012. Mas os americanos não chamam o processo de entrada atmosférica e pouso de “sete minutos de terror” à toa.

Evitando essa parte mais “zicada” das missões marcianas, os Emirados Árabes Unidos se concentraram em enviar apenas um orbitador. Batizado de Hope (ou Al Amal), ele representa a esperança do jovem país árabe a colocar seu primeiro marco nos arredores de Marte. A missão consiste em um satélite meteorológico marciano, com três instrumentos desenvolvidos em parceria com universidades americanas. Mas as ambições declaradas do país são enormes: construir e habitar uma cidade em Marte em 2117.

Loucura? Eles têm tempo até lá. Por ora, sua primeira espaçonave não tripulada marciana já está a caminho, depois de ser lançada por um foguete japonês H-2A, no último dia 19.

A BUSCA POR VIDA

Tanto a missão chinesa quanto a americana têm como objetivo declarado buscar sinais de vida marciana. Pode parecer surpreendente, mas ninguém admite de forma aberta este objetivo desde as sondas Viking, da década de 1970. Isso justamente porque aquele primeiro experimento de buscar atividade biológica produziu resultados estranhos e inconclusivos.

Desde então, a Nasa decidiu abordar o tema “pelas beiradas”. Primeiro, estabelecer as condições do presente e do passado de Marte, investigando onde e quando a água – composto essencial à vida – pode ter fluído por lá. Depois, com o jipe Curiosity, o objetivo foi detectar substâncias orgânicas – outro ingrediente requerido para a biologia. E agora o Perseverance (fazendo jus ao nome, perseverança) vai direto ao ponto, procurar sinais químicos fósseis de atividade microbiana no passado marciano.

Para isso, ele vai descer na cratera Jezero, onde sabe-se que água se acumulou no passado remoto e que possui as características geológicas ideais para a possível preservação de sinais de vida antigos.

O rover chinês da missão Tianwen-1 vai descer em outra região de Marte, Utopia Planitia, visitada previamente pela americana Viking-2.

O FUTURO

Investigar as possibilidades de vida em Marte respondem ao chamado de uma das mais clássicas dúvidas a perseguir o ser humano: estamos sós no universo? Mas, para além disso, também aborda questões práticas. Algo na linha: o que estamos eticamente autorizados a fazer no planeta vermelho?

É muito diferente decidir colonizar uma rocha sem vida ou um mundo com potencial biológico alienígena, e descobrir se há ou houve algo vivo por lá é parte essencial disso. A maior parte dos cientistas acreditam que isso não poderá ser respondido de forma definitiva sem que tragamos amostras de lá para estudo em laboratórios terrestres.

Nesse sentido, o Perseverance já traz uma amostra do futuro, colhendo rochas e armazenando-as em pequenos tubinhos selados, para posterior despacho de volta à Terra (por outra missão automatizada, a ser conduzida em parceria por americanos e europeus até o final desta década, com retorno previsto para 2031).

O rover também testa tecnologias destinadas a potencial uso em futuros trajes para astronautas e leva até mesmo um experimento cujo objetivo é produzir oxigênio a partir do dióxido de carbono atmosférico marciano. Robôs têm pouco uso para oxigênio, mas futuros habitantes de Marte precisarão muito dele.

Por fim, o Perseverance também promoverá um momento “Santos-Dumont/irmãos Wright” em Marte, com o teste do primeiro drone a voar pela tênue atmosfera daquele mundo, o mini-helicóptero Ingenuity.

Entre investigações do passado e teste de tecnologias pelo futuro, o Perseverance parece ser um ponto de inflexão na trajetória da exploração marciana. O olhar puramente científico começa a dar lugar a iniciativas mais voltadas para a posterior chegada da humanos ao planeta vermelho – para estudar e, quem sabe, para morar. O amanhã começa agora.

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