Não, o primeiro contato ainda não ocorreu

Em sua coluna publicada nesta Folha no domingo passado (23), Ronaldo Lemos levanta a possibilidade de que o primeiro contato com uma inteligência extraterrestre já tenha ocorrido, por ocasião da visita do objeto interestelar ‘Oumuamua, que passou por nossas redondezas em 2017 e agora ruma novamente para os confins do espaço profundo.

Lemos evoca a hipótese defendida por Abraham Loeb, chefe do departamento de astronomia de Harvard. O astrofísico propôs, em outubro de 2018, que o ‘Oumuamua poderia na verdade ser uma nave alienígena – mais especificamente um veleiro –, ideia que segue entusiasmando Loeb a ponto de ser o tema do seu próximo livro.

Isso dá à luz duas discussões. A mais simples: o primeiro contato pode já ter ocorrido? A resposta é, com certeza, não. Não basta que alguém pense ter encontrado inteligência extraterrestre – seja um piloto de caça encontrando um óvni, seja um astrônomo de Harvard investigando um objeto interestelar. Será preciso demonstrar isso, para além de qualquer dúvida. O “primeiro contato”, se um dia acontecer, será um evento sociológico.

Agora, a questão mais complicada: pode o ‘Oumuamua ser uma espaçonave? A resposta que temos da imensa maioria dos colegas de Loeb é: “muito provavelmente não”.

Loeb é um livre pensador e gosto de sua atuação destemida, um amante de hipóteses improváveis. Exemplo: menos de dois meses atrás, ele foi autor de um artigo sugerindo que o Planeta 9 possa na verdade ser um buraco negro primordial. Maravilhoso. Mas tenha em mente que ninguém sabe se o tal nono planeta do Sistema Solar existe. Tampouco há qualquer evidência para buracos negros primordiais. Mas Loeb está lá, brincando com as duas ideias e as combinando em uma hipótese perfeitamente científica.

Ser científica não significa ter boa chance de estar correta. Significa meramente ser consistente com os fatos conhecidos e passível de teste futuro por observações e experimentos.

De fato, Loeb gosta de apostar contra a banca em hipóteses de baixíssima probabilidade. Tem o Planeta 9 como buraco negro primordial. Tem a antiga estrela companheira do Sol. Tem as civilizações que morariam ao redor de anãs brancas. E tem o ‘Oumuamua espaçonave. É bem provável que todas estejam erradas. Mas não avançar hipóteses arrojadas por medo do ridículo é o caminho mais curto para a mediocridade.

A última contribuição acadêmica de Loeb ao debate sobre o viajante interestelar, por sinal, foi algo pedestre: um artigo em que mostra que uma composição de gelo de hidrogênio é inconsistente com as observações. Essa ideia, para começar, já era improvável, então o esperado é que caia mesmo.

O mistério do ‘Oumuamua, na verdade, é movido pela ignorância. Quando o descobrimos, ele já estava indo embora, e tivemos pouca chance de estudá-lo. Sem bons dados, muitas hipóteses se viabilizam. Mas, a despeito do fascínio que desperta, a ideia da origem artificial segue no fim de uma longa fila de possibilidades.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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