Com ondas gravitacionais, astrônomos veem pela primeira vez ‘elo perdido’ dos buracos negros
Por meio de ondas gravitacionais, uma grande colaboração internacional de cientistas diz ter detectado pela primeira vez uma espécie de “elo perdido” dos buracos negros. Ele não seria nem dos que têm porte de uma estrela, nem um dos gigantes que existem no coração das galáxias, com milhões a bilhões de vezes a massa do Sol.
A descoberta foi possível graças aos dois observatórios LIGO, nos Estados Unidos, e ao Virgo, na Itália, detectores que têm estruturas com três a quatro quilômetros de extensão e conseguem medir flutuações minúsculas na própria geometria do espaço-tempo — marolas produzidas pelo espiralar alucinante de objetos de alta massa rumo a uma colisão que consiste no equivalente cósmico de atirar uma pedra num lago, com ondas se propagando a partir do ponto do impacto em todas as direções.
No caso em questão, a colisão se deu há cerca de 7 bilhões de anos, entre dois buracos negros, um com 85 vezes a massa do Sol, e outro com 66 vezes a massa do Sol. Nesse evento brutal, a energia equivalente a mais de oito sóis foi convertida diretamente em ondas gravitacionais, que se propagaram por uma distância hoje correspondente a 16 bilhões de anos-luz, até atingirem a Terra, como uma sutil vibração do espaço-tempo, no dia 21 de maio de 2019, onde foram “sentidas” pelo LIGO e pelo Virgo.
(Leitores mais atentos ficarão encafifados com os números acima: se as ondas gravitacionais viajaram por 7 bilhões de anos, à velocidade da luz, como podem ter percorrido uma distância hoje equivalente a 16 bilhões de anos-luz? Lembre-se de que, durante essa viagem, o Universo todo está em expansão, ou seja, o próprio espaço está se esticando. O hodômetro das ondas gravitacionais de fato marca 7 bilhões de anos-luz percorridos, mas durante o percurso o próprio espaço cruzado se esticou, colocando o objeto de origem a uma distância que, hoje, é bem maior.)
Como esse evento, já são um bom punhado as detecções de colisões de buracos negros por ondas gravitacionais nos últimos anos. Mas essa tem um sabor especial: o tamanho dos buracos negros envolvidos.
A fusão resultou na formação de um buraco negro de 142 massas solares, o que já o coloca confortavelmente na faixa dos buracos negros intermediários — objetos com algo entre 100 e 1.000 massas solares, cuja existência até agora era apenas suposta (embora com boas evidências indiretas).
Cabe aqui explicar o que são buracos negros. Em essência, são objetos em que a massa foi tão comprimida que a força da gravidade em seu entorno impede o escape até mesmo da coisa mais rápida que existe — a luz.
Durante algumas décadas, essa foi apenas uma curiosidade teórica derivada das equações da relatividade. Mas, depois que os astrofísicos entenderam como as estrelas “funcionam”, compensando sua gravidade enorme (de fora para dentro) com a produção de energia por fusão nuclear (de dentro para fora), eles perceberam que estrelas com massa suficientemente alta podem acabar, ao final de suas vidas, quando o combustível para a fusão se esgota, colapsando até virarem um buraco negro.
Esses são de longe os tipos mais comuns — o feijão do Universo, por assim dizer.
Só que esse não é o fim da história. Nossas observações mostram que, no coração de praticamente todas as galáxias, há um objeto com massa enorme, equivalente a milhões ou bilhões de sóis, que só pode ser um buraco negro (de fato, já até tiramos uma foto de um desses, então não resta dúvida de que seja). São chamados pelos astrônomos de supermassivos — a nossa feijoada cósmica.
Bem, e como se faz uma boa feijoada? Você tem de jogar na panela um monte de feijão e mais um bom bocado de carnes e temperos. Os buracos negros de massa intermediária seriam, portanto, as orelhas de porco, paios e linguiças do Universo.
Exceto pelo fato de que ninguém nunca tinha observado uma orelha de porco cósmica. A gente só conhecia para valer os feijões e a feijoada completa. Bueno, no más! Porque não só achamos agora esse produto de uma fusão de dois buracos negros que ficou com respeitáveis 142 massas solares, como um deles, com 88 massas solares, está em uma faixa em que os astrofísicos não esperavam encontrar buracos negros.
Na verdade, a maior parte dos modelos sugere que há um intervalo, entre cerca de 65 e 120 massas solares, que deveria ser um “deserto” de buracos negros. Isso porque estrelas com até 130 massas solares explodiriam como supernovas e deixariam para trás um caroço de até 65 massas solares para virar buraco negro, mas as maiores que isso sofreriam um tipo de colapso tão explosivo que as destruiria por completo, sem deixar sobras. E aí, acima disso, restariam apenas aquelas estrelas realmente imensas, com mais de 200 massas solares, que poderiam colapsar direto em buraco negro sem uma explosão violenta, formando objetos escuros com pelo menos 120 massas solares — já se aproximando dos elusivos intermediários.
E, no entanto, mesmo antes da fusão, LIGO e Virgo acabaram de ver um buraco negro todo pimpão com 85 massas solares, bem no meio dessa faixa “desértica”.
Qual o melhor palpite no momento para explicá-lo? Jogando com o que temos, dá para pensar que ele mesmo pode ser o resultado de uma fusão anterior entre dois buracos negros de porte estelar. (Com efeito, em 2017, uma colisão assim foi observada pelo LIGO, formando um buraco negro de 80 massas solares.)
Essa sequência toda, por sinal, acaba sugerindo um caminho para irmos do feijão à feijoada, por fusões sucessivas de buracos negros cada vez maiores. (E aqui nos despedimos de nossa metáfora culinária, porque não haverá meio de você fundir dois feijões para que se tornem uma orelha de porco.)
Para confirmar ou refutar essa hipótese, qual o caminho adiante? Ajudará bastante “escutarmos” mais ondas gravitacionais de outros eventos semelhantes, até termos uma ideia clara do processo todo, dos menores aos maiores buracos negros. Por sinal, em retrospecto, é fascinante ver como essas marolas no espaço-tempo preditas por Einstein fizeram nosso conhecimento sobre buracos negros evoluir tão depressa em meros cinco anos. Até setembro de 2015, ninguém havia sequer observado uma onda gravitacional. Agora, já as usamos para sondar, em detalhes cada vez mais finos, os objetos mais intrigantes e (literalmente) obscuros do cosmos.
Os novos resultados foram publicados em dois artigos, um sobre a detecção em si (no Physical Research Letters) e outro sobre as consequências astrofísicas do achado (no Astrophysical Journal Letters).
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