Astrônomos detectam potencial sinal de vida nas nuvens de Vênus

Um grupo de pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos identificou aquela que pode ser a primeira evidência concreta de vida nas nuvens do planeta Vênus. Ou não.

O trabalho, publicado nesta segunda-feira (14) no periódico científico Nature Astronomy, envolveu a detecção de um composto chamado fosfina, ou hidreto de fósforo (PH3), nas nuvens venusianas. Na Terra, esse é um gás produzido predominantemente por bactérias anaeróbicas. Em Vênus, o que está gerando esse gás ainda é um mistério.

Fosfina, por si só, seria uma evidência pobre de vida. O gás já foi detectado em Júpiter e Saturno pela sonda Cassini, por exemplo, e ninguém diz que eles são marcadores biológicos por lá. O que torna este novo resultado particularmente intrigante é o fato de que o ambiente na alta atmosfera de Vênus é extremamente ácido, e nessas circunstâncias é esperado que hidreto de fósforo seja destruído muito rapidamente. O fato de ele estar lá sugere que há uma fonte muito boa constantemente reabastecendo o ar venusiano com essa molécula.

O achado, obtido por Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, e seus colegas, veio com observações colhidas com o JCMT (Telescópio James Clerk Maxwell), em 2017, e com o observatório ALMA (Grande Conjunto Milimétrico/submilimétrico do Atacama), em 2019. Os dados, que envolvem a detecção, na “assinatura” da luz que vem de Vênus, dos marcadores da fosfina, indicam uma presença de 20 partes por bilhão na camada superior de nuvens, a uma altitude entre 53 e 62 km da superfície.

Você decerto já ouviu dizer que Vênus não é exatamente o planeta mais hospitaleiro do Sistema Solar. Com um efeito estufa acachapante, temperaturas de 470 graus Celsius (à sombra, se você achar uma) e uma pressão atmosférica cem vezes maior que a da Terra, ele é um lembrete muito claro de como um mundo tão similar ao nosso em tamanho e em distância ao Sol pode dar tão errado.

Ocorre que nem tudo é desgraça. Se morar na superfície de Vênus equivale a tentar viver dentro de um forno de pizza, a alta atmosfera é muito mais gentil. Nas altitudes mais altas do topo das nuvens, a uns 55 km de altitude, a pressão atmosférica é mais suave (metade da terrestre ao nível do mar) e a temperatura é amena (27 graus Celsius). Isso a Globo não mostra.

Há décadas, alguns cientistas mais ousados vêm propondo a hipótese de vida em Vênus, justamente nas camadas mais altas da atmosfera. Um problema é a escassez de água, que não é inexistente, mas é bem pouca. Outro é a acidez excessiva, graças às grandes quantidades de ácido sulfúrico. E os pesquisadores reconhecem essa dificuldade. “Eles são bem cautelosos, apontam que há problemas conceituais substanciais sobre a ideia de vida em Vênus, o fato de que o ambiente é extremamente desidratante e superácido”, avalia Ivan Glaucio Paulino Lima, astrobiólogo brasileiro no Centro Ames de Pesquisa da Nasa, não envolvido com o estudo.

Apesar disso, vários cientistas chegaram a pensar nas nuvens venusianas como um possível habitat para extremófilos (criaturas capazes de sobreviver a condições extremas). Carl Sagan evocou essa ideia no passado e, mais recentemente, Dirk Schulze-Makuch, voltou a sugerir essa possibilidade.

Com efeito, há evidências circunstanciais de que Vênus, em seu passado remoto, pode ter sido um planeta plenamente habitável, com oceanos. O Sol era menos brilhante bilhões de anos atrás, e sabe-se que havia muito mais água por lá do que há hoje — talvez já em vapor d’água, talvez em estado líquido, se a temperatura fosse mais amena. Se isso de fato aconteceu, certamente houve tempo no passado de Vênus para que a vida ao menos começasse seu processo evolutivo, de modo que a seleção natural pudesse produzir micróbios até hoje capazes de viver por lá, mesmo com toda a desgraceira à que o planeta está sujeito hoje.

O maior drama é que toda a pobre biosfera venusiana, se existir, terá de estar em suspensão na alta atmosfera. Nenhuma troca relevante com o solo esterilizante seria permitida, e isso é algo que não vemos aqui na Terra — habitats totalmente desconectados da superfície. Quer dizer que não possam existir? Não. Apenas significa que não sabemos se podem ou não, porque nunca vimos. (Os próprios autores do novo trabalho lançaram um artigo na revista Astrobiology com uma hipótese de como isso poderia acontecer.)

O que já dá para dizer é que coisas muito estranhas acontecem na alta atmosfera de Vênus. Já se conhece há algum tempo a existência de um misterioso componente que absorve luz ultravioleta no ar venusiano e gera misteriosas manchas escuras nas imagens do planeta captadas nessa frequência do espectro. Schulze-Makuch acha que podem ser micróbios que absorvem ultravioleta como forma de energia para seus metabolismos.

E agora tem a fosfina. Não houve falta de esforço de explicá-la por rotas mais convencionais. Em seu artigo, Greaves e seus colegas exploram as mais diversas hipóteses. Poderiam ser fontes na superfície do planeta? Micrometeoritos? Reações químicas induzidas por relâmpagos? Processos químicos nas nuvens? Depois de investigar todas essas possibilidades, foram incapazes de determinar a fonte dessas quantidades-traço do composto.

Isso quer dizer que deve ser vida? Claro que não. Lembre-se do mantra de Sagan: “Afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias.” Essa nova detecção é intrigante, mas longe de extraordinária. Ela pode representar apenas um processo químico ou geológico que ainda não conhecemos, numa atmosfera alienígena que até hoje pouco estudamos.

Os autores do trabalho são os primeiros a dizer que o achado não é uma evidência robusta para vida microbiana. É o início de uma trilha, que agora precisa ser seguida pelos cientistas, com mais modelagens e observações, a fim de que se possa dar fim ao mistério.

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