Finda a viagem, que perigos enfrentamos ao desembarcar no planeta Covid?

Um voo até Marte leva seis meses e meio. É também o tempo aproximado desde que iniciamos os protocolos de isolamento em razão da pandemia. E agora, vendo nosso destino pela janela, já é hora de começar a pensar sobre procedimentos de desembarque. Não fomos a Marte, mas certamente, depois desses seis meses, estamos todos nós chegando a outro planeta.

Antes de mais nada, que fique claro: não defendo aqui o fim do isolamento e o início do oba-oba. Da mesma forma que um grupo de astronautas, ao ir a Marte, não encerra sua clausura ao chegar ao planeta vermelho – meramente ganha um pouco mais de liberdade para transitar um pouco além dos limites de sua nave –, o mesmo se dá com a gente aqui. Lidar com a pandemia é um processo de administração de riscos – individuais e coletivos.

A gestão do risco coletivo é feita (ou não) pela administração pública e consiste (ou deveria consistir, mas não consiste, no caso federal) em promover medidas para reduzir a capacidade do vírus de se espalhar e não permitir o colapso do sistema de saúde.

E quanto ao risco individual? É possível jogarmos luz sobre essa questão, a fim de informar nossas próprias escolhas nas próximas semanas e meses? Cada pessoa está sob fatores e circunstâncias diferentes, o que impede cálculos exatos. Mas uma conta de verso do envelope fornece um palpite informado a respeito. Coisa simples, de ordem de grandeza.

Dado que, dos que se contaminam com o SARS-CoV-2, morrem cerca de 0,5%; a média móvel de mortes na capital paulista está ao redor de 30 por dia; e cada novo contaminado pode passar uns 10 dias contagioso; dá para estimar que há cerca de 60 mil pessoas circulando na capital com a capacidade de transmitir o vírus – 1 em 200.

Ou seja, a chance de um lojista qualquer estar contagioso quando você entra na loja dele hoje é de modestos 0,5%. Se você estiver de máscara, ele estiver de máscara, a interação for rápida, vocês mantiverem distância e não houver mais ninguém na loja, não é maluco pensar que o risco de contágio pode ser derrubado por um fator 10, para 0,05%. Em termos individuais, nada que apavore. Mas calma.

Refaça as contas para um ambiente fechado, com 50 pessoas, respirando o mesmo ar durante mais de uma hora. A chance de ao menos uma pessoa ali estar contagiosa sobe para 25%, e o fato de não haver boa circulação de ar sugere que ela poderá contaminar muita gente – digamos, 20% dos presentes. A chance de você contrair o vírus numa “festa do Fux” em São Paulo hoje é de 5% – nada negligenciável.

Agora, termine pensando nas escolas. Os frequentadores serão expostos a múltiplas “festas do Fux” por semana. Mesmo em classes com apenas 10 alunos, a cada 20 dias deve passar por cada uma delas ao menos um potencial transmissor do vírus.

É verdade que crianças ficam menos doentes. Mas e quanto a parentes, professores e funcionários? Trata-se de um risco individual inaceitável para todos eles – para tentar salvar um mês ou dois de aulas, depois de perdidos seis, e com uma potencial vacina no horizonte para o ano que vem. Vale o risco? Acho que não.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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