A física dos buracos negros e os campeões morais do Nobel em Física deste ano

A Academia Real de Ciências da Suécia fez uma ótima escolha ao premiar Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez com o Nobel em Física de 2020, por suas contribuições no estudo dos enigmáticos buracos negros. Mas cabe nesta hora lembrar outros dois ganhadores “morais” do prêmio – um que ficou no passado e um que certamente ainda levará sua medalha no futuro.

O do passado é Stephen Hawking. O físico britânico foi um grande especialista na física dos buracos negros e foi um contemporâneo de Penrose na decifração de seus segredos. Os dois inclusive trabalharam como parceiros em vários estudos e se tornaram sinônimos da investigação da singularidade (o que supostamente há no interior do buraco negro, onde a teoria da relatividade geral se recusa a entrar) e dos fenômenos do horizonte dos eventos — a linha imaginária que delimita o ponto de não retorno de um buraco negro: tudo que está dentro dessa fronteira matemática está destinado a desaparecer da nossa vista para sempre; já o que está fora ainda tem chance de escapar.

O Nobel não é concedido postumamente, de forma que Hawking, morto em 2018, terá de passar à história como um dos muitos pesquisadores brilhantes que acabaram não agraciados pela prestigiosa premiação. Era meio consensual entre os físicos que sua predição de que buracos negros emitem uma sutil radiação e evaporam poderia perfeitamente justificar o prêmio — caso fosse confirmada. Se tivesse vivido mais dois anos, mesmo sem essa confirmação, Hawking possivelmente embolaria a disputa do prêmio deste ano.

Isso porque 2019 foi o ano que nos trouxe a mais contundente evidência de que os aspectos mais radicais da física dos buracos negros não são meras abstrações teóricas: a imagem produzida pelo Event Horizon Telescope, que pela primeira vez revelou a sombra escura de um buraco negro.

Como demonstram os trabalhos de Penrose, a física já era bem robusta antes disso — os cientistas já esperavam que o horizonte dos eventos e a escuridão que se esconde além dele estivessem lá. Mas, como dizem por aí, uma imagem vale mais do que mil equações.

E uma das grandes motivações por trás do projeto do EHT foi justamente a descoberta dos outros dois premiados deste ano, Reinhard Genzel e Andrea Ghez (ela apenas a quarta mulher a ganhar um Nobel em física na história): a existência de um buraco negro supermassivo no coração da Via Láctea, a nossa galáxia.

Quando o EHT se lançou à tarefa de reunir radiotelescópios espalhados pelo globo para constituir o equivalente de uma enorme antena do tamanho da Terra, o principal alvo era registrar esse objeto, conhecido como Sagittarius-A* (pronuncia-se A-estrela). Mas eles também tinham um segundo alvo, muito mais distante, mas também muito maior, no coração da galáxia M87. Foi esse o astro do registro histórico de 2019. Sagittarius-A* continua na mira do projeto, que segue colhendo dados para tentar visualizar sua sombra.

É indiscutível que as lideranças por trás do EHT (e em particular seu idealizador, o astrofísico Shep Doeleman) acabarão levando seu próprio Nobel num futuro próximo. Por ora, serve como consolo para eles o fato de que sua descoberta decerto foi determinante para a escolha dos acadêmicos suecos neste ano.

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