Dois estudos colocam em xeque detecção de fosfina na atmosfera de Vênus
A fosfina venusiana pode estar subindo no telhado. Dois estudos recém-apresentados, realizados por grupos independentes, colocam sérias dúvidas sobre a detecção do composto na alta atmosfera do planeta vizinho.
A potencial descoberta, baseada principalmente nos dados do conjunto de radiotelescópios Alma, no Chile, foi apresentada com toda pompa e circunstância em setembro pela equipe de Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido.
Os pesquisadores indicaram, em artigo publicado na Nature Astronomy, que a presença do composto, estimada em 20 partes por bilhão, não podia ser explicada por processos químicos conhecidos, avançando a hipótese de que talvez fossem indícios de vida microbiana nas nuvens venusianas.
Quase de imediato surgiram estudos alternativos para explicar por mecanismos geológicos, principalmente vulcanismo, a presença da fosfina, que aqui na Terra é associada à ação de bactérias anaeróbicas. Mas as coisas agora dão um passo além: dois estudos independentes sugerem que a detecção da fosfina pode não ter passado de um erro.
Primeiro, veio o resultado submetido por um grupo internacional no dia 15 de outubro. O trabalho deles envolveu tentar encontrar os sinais da fosfina em outras faixas de radiação infravermelha, fora da parte do infravermelho distante, que foi observada com o Alma.
Em artigo já aceito para publicação no Astronomy & Astrophysics, a equipe liderada por Thérèse Encrenaz, do Observatório de Paris, indicou não ter achado nada. Isso não quer dizer que a fosfina não esteja lá, mas impõe limites estritos para a quantidade que pode estar presente. Segundo eles, com confiança superior a 99,7%, não pode haver mais que 5 partes por bilhão de fosfina no ar venusiano. É um quarto do valor indicado pela equipe de Greaves.
A coisa ficou ainda mais complicada, contudo, no dia 19 de outubro, quando um grupo liderado por Ignas Snellen, da Universidade de Leiden, na Holanda, lançou no repositório de pré-prints arXiv uma reanálise dos dados colhidos originalmente pela equipe de Greaves com o Alma.
O trabalho indicou que o método de processamento usado pelo estudo original, com os chamados polinômios de de ordem 12, leva a resultados espúrios. Indo mais adiante, eles dizem que só conseguiram ver um único sinal similar ao da fosfina, mas a um nível de confiança baixo demais para que tivesse significância. E concluem dizendo que os dados publicados do Alma não fornecem evidência estatística de fosfina na atmosfera de Vênus.
O trabalho foi submetido para publicação no Astronomy & Astrophysics e acabou seguido por um movimento estranho por parte do próprio Alma, que recolheu os dados de seu banco público alegando problemas de controle de qualidade. O desfecho da história ainda é desconhecido, e as observações da sonda BepiColombo (que passou por Vênus no último dia 15 e o fará novamente no ano que vem) se tornam ainda mais importantes diante desse impasse. Talvez a fosfina venusiana não tenha passado de uma miragem.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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