Após ‘sete minutos de terror’, rover Perseverance, da Nasa, pousa com sucesso em Marte
Após os “sete minutos de terror”, o rover Perseverance já está seguramente postado no interior da cratera Jezero, em Marte, onde retomará uma busca por vida marciana iniciada pelas sondas Viking, mais de 40 anos antes.
O drama foi acompanhado num misto de presencial e remoto, com o número de pessoas no centro de controle do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa) restrito pela pandemia.
A espaçonave foi enviando “tons”, numa transmissão de banda estreita enviada diretamente para a Terra, indicando cada nova etapa do pouso. No minuto final, o local de descida perdeu linha direta de visada para o terceiro planeta, e a Nasa teve de contar com a retransmissão da telemetria feita pelo orbitador Mars Reconnaissance Orbiter. Às 17h55, estava tudo terminado. O rover estava em solo marciano e transmitiu suas primeiras imagens, produzidas com as câmeras de engenharia do veículo. (Tenha em mente que esse é o horário em que os sinais foram recebidos na Terra; tudo aconteceu cerca de 11 minutos antes, de forma automatizada, e o atraso tem a ver com o tempo que um sinal de rádio leva para atravessar a distância Terra-Marte.)
Com o sucesso, são 9 de 10 tentativas bem-sucedidas para os americanos no planeta vermelho, uma impressionante taxa de sucesso de 90%. E o que não faltarão, nos próximos dias, são visões sensacionais de Marte. Afinal de contas, estamos falando da missão com o maior número de câmeras já enviadas num único pacote a qualquer destino no espaço: são 23 ao todo, com direito a dois microfones (outra novidade).
Durante a descida, a comunicação é limitada. Mas, concluída a descida, a torrente de informações chegando do planeta vizinho deve ser avassaladora e se estender pelos próximos dias. “Vou dar uma descansada, porque eu vou ser a pessoa que vai estar recebendo os dados vindos da primeira manhã marciana”, conta Ivair Gontijo, físico brasileiro que trabalha no JPL e faz parte da missão.
O rover desceu às 15h53 (hora local na cratera Jezero). E tem uma pegadinha: o dia marciano é um pouco mais longo que o terrestre, 24h39. Com isso, os pesquisadores envolvidos com as primeiras operações do veículo vão passar um mês em “fuso marciano”. “Vou trabalhar a noite inteira, das 20h às 6h30 da manhã de quinta para sexta, quando estaremos recebendo os dados da primeira manhã marciana”, completa Gontijo. “A cada três dias, a gente muda dois fusos horários, 40 minutos mais tarde todos os dias.”
CHECAGEM DE SISTEMAS
Boa parte dos primeiros 30 dias é gasta para testar todos os equipamentos de bordo para o início das operações em Marte. O mastro central precisa se erguer, e o braço robótico faz exercícios de “calistenia” para checar se está tudo em ordem.
Isso envolve também um pequeno trânsito de cinco metros para testar a locomoção e, claro, todos os instrumentos devem enviar dados de operação e calibragem, após uma viagem de cerca de sete meses em espaço profundo.
Entre os dados que devem ser enviados à Terra num primeiro momento estão os ligados ao próprio processo de pouso. Pela primeira vez, teremos câmeras gravando em alta definição todas as etapas da descida, da abertura dos paraquedas à ação do guindaste propulsado que colocará o rover no chão. E há microfone embarcado, de modo que se pode esperar pela primeira vez ouvir os sons de Marte.
LOCAL DE POUSO ÚNICO
A cratera Jezero foi escolhida cuidadosamente pelos cientistas e engenheiros para trazer o melhor retorno científico para a missão.
É um local onde missões anteriores jamais poderiam descer, por conta da irregularidade do terreno. Apenas a inteligência artificial embarcada na missão Mars 2020, que leva o rover Perseverance e seu fiel escudeiro, o mini-helicóptero Ingenuity, permitiria um pouso tão arriscado.
A característica que torna Jezero tão atraente é a clara presença de um antigo delta de rio, desembocando num antigo lago. Hoje, tudo seco, claro. Mas, 4 bilhões de anos atrás, água fluía pela superfície marciana. Análises feitas com imagens orbitais sugerem que este é um dos melhores lugares em Marte para a preservação de fósseis como estromatólitos – traços deixados por bactérias e arqueias que podem ter existido no planeta vermelho há bilhões de anos.
Antes de ganharem o espaço interplanetário, os instrumentos do Perseverance foram testados exaustivamente em condições similares aqui na Terra, analisando rochas da região de Woomera, na Austrália, onde se encontram algumas das evidências mais antigas de vida na Terra. A premissa é de que, se algo similar existiu em Marte na mesma época, o rover poderá identificar.
Claro, a ciência não é um jogo simples assim. Os pesquisadores apostam que quaisquer sinais de vida tendem a ser ambíguos a ponto de impedirem uma determinação irrefutável, ainda mais com a limitação instrumental de operar remotamente em Marte. Por isso, uma das metas mais importantes da missão é colher amostras e isolá-las em tubinhos, que depois serão recolhidos por outro rover e despachados num foguete de volta à Terra.
Acredita-se que somente com observações feitas nos laboratórios mais bem-equipados deste planeta será possível confirmar, de forma inquestionável, que houve vida no mundo vizinho.
Ainda assim, nunca estivermos tão perto da resposta à pergunta ancestral: estamos sós no universo? Claro, descobrir que Marte teve bactérias há 4 bilhões de anos, não nos faz muita companhia. Mas é preciso ir além do fato objetivo, para suas implicações: se o planeta vermelho viu a vida florescer, como ocorreu na Terra, isso é sinal de que a biosfera terrestre não é fruto de um acidente. Pelo contrário, sempre que as condições para a vida se manifestam, a vida aparece. E isso necessariamente conduz à conclusão de que o universo deve estar cheio de vida.
Claro, a inversa também é verdadeira. Se o Perseverance, num dos locais mais promissores para a busca de fósseis microbianos em Marte, não achar nada, o resultado também tem implicações. “Mesmo se a gente chegar à conclusão de que não existe absolutamente nada lá, é um resultado interessante também”, diz Gontijo. “Tanto o planeta Marte quanto o planeta Terra se formaram da mesma nebulosa de onde vem o Sol e vêm os outros planetas. Por que existe tanto carbono e tanto carbono vivente aqui e não existiria lá?”
Esta é, pois, a aventura da exploração. As respostas nos aguardam em Marte.
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