Depois de apuros em modo de ‘sobrevivência’, Amazônia-1 já faz imagens do Brasil

Entre o rastreamento independente realizado por observadores no exterior e as acusações de “fake news” por parte do alto escalão do governo, a primeira semana do Amazônia-1 no espaço foi bastante agitada. Eis a história completa, como ela se deu.

Na madrugada do domingo passado (28), o foguete indiano PSLV injetou o primeiro satélite 100% brasileiro de observação da Terra em uma órbita polar de 750 km de altitude. A espaçonave saiu com uma rotação excessiva ao se desprender, mas isso foi ajustado pelo sistema de controle de atitude do satélite.

A primeira passagem mostrou situação nominal e os engenheiros e técnicos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em São José dos Campos (SP), iniciaram o processo de certificação do satélite, com as checagens usuais.

Na terça (2), em antecipação a dois sobrevoos do solo brasileiro no dia seguinte, foi disparado o comando para colocar o Amazônia-1 em modo missão, preparando a ativação de sua câmera. E aí a realidade se desvia da versão oficial.

De acordo com envolvidos no projeto que preferem não se identificar, um dos parâmetros de operação do satélite apresentou um valor não nominal, e o computador de bordo ativou automaticamente o modo de sobrevivência. Nessa situação, o Amazônia-1 inicia um movimento para garantir que luz solar incida sobre seus painéis, prevenindo a descarga das baterias. Foi nesse período que dois rastreadores, um nos EUA e outro na Itália, separados por cerca de 7 horas, detectaram a suposta “fake news”. Era real.

Atividades espaciais, como sabemos, são desafiadoras. E a equipe do Inpe sempre esteve à altura do desafio. Interpretando corretamente a situação e seguindo os protocolos, com apoio de estações auxiliares fora do país (para aumentar as oportunidades de contato), ainda no final da noite de terça a situação fora contornada, e o satélite entrou em modo missão. Grande vitória, após um aperto. É do jogo. Até o Hubble, vira e mexe, entra em modo de segurança.

Mesmo assim, na quarta (3), enquanto o Amazônia-1 fazia duas passagens pelo Brasil e registrava belas imagens, o diretor do Inpe, Clezio de Nardin, e o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, entraram em “modo governo”, afirmando que nada de incomum aconteceu. “Fake news”. Perderam uma espetacular oportunidade de mostrar como dificuldades são enfrentadas e vencidas pelos profissionais do Inpe.

Superado o episódio, resta uma dúvida: queremos um programa espacial civil aberto e transparente, à la Nasa, ou vamos pela rota do segredo e do silêncio, como a China? Não custa lembrar que a inserção orbital da Tianwen-1 em Marte só foi acompanhada ao vivo por rastreadores independentes, da mesma forma que se identificou o comportamento incomum do Amazônia-1 na última terça. Essa deixo para os ideólogos governistas de plantão.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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