Governo brasileiro anuncia seleção de 4 empresas para exploração comercial de Alcântara
Em uma cerimônia cheia de pompa e circunstância, o governo brasileiro anunciou nesta quarta-feira (28) a seleção de quatro empresas que vão explorar comercialmente o Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. Entre as vencedoras, três empresas americanas e uma canadense. As quatro vieram de uma pré-seleção de nove. E já há um segundo edital para seleção de novas empresas interessadas.
É boa notícia? É. Mas não tão boa quanto o pessoal do governo quer fazer crer (aliás, impressiona que tenhamos tido presidente da República e vários ministros festejando a vitória de pequenas empresas estrangeiras num processo seletivo que estranhamente não envolveu a Lei de Licitações).
Das quatro, a única que tem um veículo já desenvolvido para lançamentos é a americana Virgin Orbit, que ficou com o aeroporto instalado no centro maranhense. Faz sentido, já que a companhia tem um lançador que parte de um avião, à moda do antigo foguete Pegasus americano, responsável pelo lançamento do primeiro satélite brasileiro, o SCD-1, em 1993. E pelo menos ele existe. O foguete LauncherOne, da Virgin Orbit, realizou seu primeiro lançamento bem-sucedido em 17 de janeiro de 2021.
Já as outras empresas selecionadas, C6 Launch Systems (Canadá), Orion AST (EUA) e Hyperion (EUA) não têm lançadores prontos (na melhor das hipóteses, já existem no papel e em apresentações de PowerPoint).
A seleção, feita pela Agência Espacial Brasileira (AEB) em consonância com a Força Aérea Brasileira, não envolveu a apresentação de prazos para início das operações. Por sinal, especialistas apontam que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderá ver problemas para a assinatura dos contratos com as empresas, já que o edital não contemplou a Lei de Licitações. A despeito disso, o Centro Espacial de Alcântara foi repartido em quatro áreas, cada uma das quais designada a uma das empresas selecionadas.
A Hyperion (sem lançador) ficou com a operação do sistema de plataforma legado pelo VLS (o antigo Veículo Lançador de Satélites brasileiro, cancelado após três tentativas malogradas de voo, entre 1997 e 2003). A Orion AST ficou com a plataforma universal de lançamentos suborbitais. E a C6 Launch ficou com a área do perfilador de vento, usada então para medições atmosféricas no centro. Já a Virgin Orbit ficou com a pista do aeroporto de Alcântara, dentro do centro.
Durante a apresentação, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações Marcos Pontes enfatizou a diferença entre “falar e fazer”, apresentando o processo seletivo como um exemplo da segunda categoria. Sem dúvida, em décadas de programa espacial estagnado, trata-se de distinção importante. Mas anunciar parcerias está longe de poder ser qualificado de “fazer”, como, por sinal, deveria lembrar o astronauta brasileiro. Afinal, foi por intermédio de um acordo assinado entre Brasil e EUA em 1997 que nosso país se tornou parceiro na Estação Espacial Internacional, o que viabilizou o treinamento dele na Nasa e seu posterior voo à órbita. E, no entanto, naquele acordo, o Brasil quase nada fez e acabou expulso do programa.
Exemplos como esses se empilham na vexatória história do Brasil com parceiros internacionais. Coloque aí na lista nossa “entrada” no ESO, maior organização astronômica do mundo, e acordos como o com a Ucrânia, que criou a binacional Alcântara Cyclone Space, para o lançamento dos foguetes ucranianos Cyclone-4 (ainda a ser desenvolvidos) do solo nacional. Em ambos os casos, o festejo burocrático acabou na lama.
A diferença entre esses casos anteriores e o atual é o escopo das ambições: parece razoavelmente simples (com alterações mínimas à infraestrutura) deixar um Boeing 747 decolar de Alcântara levando um foguete LauncherOne, da Virgin Orbit, ou mesmo torcer pela C6 Launch Systems ser capaz de aparecer com um foguete de pequeno porte para colocar 30 kg em órbita. É o que pode marcar a separação entre essa nova empreitada e os esforços anteriores. E vale celebrar: para um governo que costuma trabalhar em cima de fantasias, é bom que desta vez seja baseado na realidade –mais especificamente no fato de que a vantagem competitiva de Alcântara aumenta quanto menores forem os lançadores e os satélites.
Com efeito, a Virgin Orbit se manifestou entusiasmada com a possibilidade de operar no Brasil: “A mobilidade de nosso sistema de lançamento nos permitiria operar a Cosmic Girl [o 747] e o LauncherOne da base aérea existente no Centro Espacial de Alcântara –um dos únicos espaçoportos continentais no mundo que pode apoiar missões para *qualquer*0 inclinação orbital. Em Alcântara, nossa meta é ter uma pegada essencialmente zero no chão: transportaremos nosso sistema inteiro –veículos de suporte de solo, Cosmic Girl e o próprio foguete– para conduzir campanhas de lançamento em um país que nunca completou com sucesso um lançamento à órbita antes.”
E prosseguiu: “Para a comunidade brasileira, o LauncherOne oferece a rota mais rápida e barata para um sonho que se manteve fora de alcance por mais de 40 anos: uma capacidade de lançamento doméstica, que vem com benefícios econômicos e científicos imensos sem exigir mais uso de solo.”
Ainda há um caminho a percorrer, tanto técnico quanto burocrático, para que o espetáculo apresentado sob luzes azuis em um auditório em Brasília se transforme em voos espaciais e desenvolvimento local para o Maranhão. O Mensageiro Sideral, claro, torce para que o traslado de um ponto a outro seja bem-sucedido, o mais depressa possível. Numa coisa todos concordamos com Pontes: a espera já foi longa demais.
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