Buracos negros são maestros da sinfonia da formação estelar em galáxias vizinhas
Volto hoje ao plano A da semana passada, atravessado pela tragédia da pandemia. O tema é buracos negros supermassivos, objetos que moram no coração de praticamente todas as galáxias elípticas e espirais, inclusive a nossa. Um novo estudo demonstrou que eles são capazes de influir no processo de formação de estrelas de uma vasta região do espaço, incluindo galáxias-satélite vizinhas.
Primeiro um pouquinho de contexto. A Via Láctea, nossa galáxia, tem algo como 200 bilhões de estrelas, das quais o Sol é apenas mais uma. Essas estrelas estão distribuídas em braços espirais, onde há nuvens de gás, que podem dar origem a futuras estrelas no futuro. Na região central, há um bojo, com maior concentração estelar e gasosa, e bem no meio de tudo reside o buraco negro supermassivo, com massa equivalente a 4,1 milhões de sóis, comprimida de tal modo que seu diâmetro é apenas 30 vezes maior que o do Sol.
Há muita curiosidade sobre o que acontece dentro de um buraco negro, dado que as leis físicas conhecidas “bugam” por lá. Mas, para os astrofísicos, o mais interessante é o que rola do lado de fora. Estrelas e gás são acumulados na região externa do buraco negro e acabam, com o tempo, sendo tragados por ele. O objeto no centro da nossa galáxia anda relativamente quieto (entre refeições), mas há muitos corações galácticos por aí bem mais ativos.
Nesses, o gás circundante a ser tragado é acelerado, e a dinâmica produz jatos enormes de partículas ejetadas quase à velocidade da luz, nos dois sentidos do eixo de rotação do buraco negro. Na galáxia gigante M87, por exemplo (a mesma que teve seu buraco negro central fotografado recentemente), esse jato é bem visível e se estende por 5.000 anos-luz.
Especula-se há tempo que os jatos que emanam da borda do buraco negro impactam no tênue gás circundante e influem em processos de formação estelar dentro da galáxia. Ou seja, o buraco negro central é como um maestro, regendo e modulando a produção de novas estrelas. O que Ignacio Martín-Navarro, do Instituto de Astrofísica das Canárias, e seus colegas quiseram testar é se esses processos também podem afetar galáxias satélites vizinhas.
Em artigo publicado na Nature, veio a conclusão: sim. Com dados de arquivo de observação de 124 mil galáxias-satélites, distribuídas ao redor de mais de 29 mil sistemas galácticos, os pesquisadores notaram que as galáxias-satélites localizadas acima e abaixo dos jatos do buraco negro da galáxia central tinham menos produção estelar que as demais circundantes.
Para completar, testaram se o mesmo efeito aparecia numa simulação chamada Illustris TNG, que reproduz em computador a evolução do universo na escala intergaláctica, partindo de leis básicas da física. E o efeito também está lá. Ou seja, esses grandes maestros do Universo conduzem uma orquestra bem maior do que antes se supunha.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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