Capacidade de compreender o Universo depende da época em que o estudamos
Causa perplexidade que uma espécie de primata evoluída em um planeta vulgar orbitando uma estrela idem em uma galáxia idem, em meio à imensa vastidão do Universo, tenha sido capaz de reconstituir a história cósmica em respeitável riqueza de detalhes. Tudo isso, em parte graças a um golpe de sorte. Nossa capacidade de compreender o Universo tem relação direta com a época em que o estamos observando.
Sabemos hoje que toda a imensidão que nos cerca, até onde a vista dos mais potentes telescópios alcança, esteve reunida em um ponto absurdamente denso e quente há uns 13,8 bilhões de anos, a partir do qual o processo de expansão do próprio tecido do espaço fez a energia coalescer em matéria, dando origem aos elementos químicos primordiais (hidrogênio, hélio e uma pitada de lítio), que por sua vez foram agregados pela gravidade para formar as primeiras estrelas, fornalhas de onde nasceram (por fusão nuclear sustentada ou explosiva) os demais elementos químicos. Gerações sucessivas de estrelas, organizadas gravitacionalmente em galáxias, que se reúnem em aglomerados, que formam superaglomerados, nos levaram de lá até aqui.
Também sabemos que a matéria visível (chamada de bariônica) compõe apenas uma ínfima parte do orçamento cósmico total de matéria e energia: 5%. Os outros 95% estão distribuídos entre a matéria escura (uns 25%) e a energia escura (uns 70%).
O leitor alerta pode dizer que talvez seja prematuro celebrar nosso grande conhecimento do Universo quando confessamos não saber do que são feitos 95% dele. É um fato. Por outro lado, vale notar que conseguimos modelar de forma razoavelmente acurada como se comportam tanto a matéria escura (cuja presença é perceptível por efeitos gravitacionais) como a energia escura (que percebemos o que faz, agindo desde uns 6 bilhões de anos atrás para acelerar a expansão).
O que mais espanta nessa saga científica, contudo, é a sorte que tivemos de estar estudando o Universo nesse exato momento de sua evolução, em que muitas pistas ainda estão presentes para decifrá-lo.
A expansão cósmica só foi descoberta pela presença de galáxias visíveis às mais variadas distâncias, e o início quente e denso só foi identificado graças à radiação cósmica de fundo. Mas sabemos que, no futuro longínquo, as galáxias distantes, em rápido afastamento, deixarão o Universo observável, e as mais próximas acabarão se fundindo com a nossa, deixando tudo que é visível limitado a uma única galáxia. Para uma civilização vivendo nessa era distante, a detecção da expansão se tornaria impossível. O mesmo vale para a radiação cósmica de fundo, que vai perdendo energia com o passar do tempo.
Estamos limitados pelo que o cosmos está disposto a nos expor, 13,8 bilhões de anos após o Big Bang. E aí a pergunta que angustia é: será que pistas cruciais para uma compreensão ainda mais refinada já foram apagadas pelo tempo?
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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