Talvez inócua, conferência do clima representa ascensão da inteligência planetária
Começa neste domingo (31), em Glasgow, mais uma conferência do clima da ONU. A ambição é que a COP26 traga mais compromissos dos países para conter as mudanças climáticas. A expectativa, por sua vez, é que os resultados fiquem aquém dos necessários. Mas, dando um passo atrás, talvez ela represente parte de um evento geológico transformador na história da Terra: a ascensão da inteligência planetária.
É um conceito defendido por David Grinspoon, pesquisador da Universidade do Colorado. Nesses tempos de depressão civilizatória, encontrei algum conforto nessa ideia de que o chamado Antropoceno, em vez de uma grande tragédia global, possa ser o início de algo espetacular.
Antropoceno é o nome que se dá à época geológica em que os humanos se tornaram capazes de interferir nos rumos e no destino de seu planeta. Pode soar meio arrogante, mas isso nem sequer é novidade na história da Terra. Grinspoon nos lembra que há antecedentes de criaturas que causaram impacto devastador. Uns 2,5 bilhões de anos atrás, as cianobactérias tomaram conta dos oceanos e encheram a atmosfera de um gás então tóxico para a maior parte das formas de vida: o oxigênio. Extinção em massa e devastação provocada por criaturas vivas, portanto, não é novidade.
A exclusividade dos humanos é o modo pelo qual estamos devastando o planeta, movido por nossa ocupação desordenada suportada por intervenções tecnológicas, ou seja, pela inteligência. Mas, veja lá, é uma inteligência meia-boca. Até hoje, ela trouxe boas soluções locais, mas que produzem efeitos globais inadvertidos e catastróficos. Converter uma área de floresta para a agricultura ou queimar petróleo para locomoção são boas soluções tecnológicas locais. Mas contratam uma desgraça global, se aplicadas em larga escala –como estamos fazendo.
Grinspoon se pergunta se, do ponto de vista de possíveis civilizações avançadas lá fora, essa nossa sagacidade tecnológica representaria real inteligência. E aí elenca o que seria o próximo estágio: a tal inteligência planetária –a capacidade de usar nosso poderio tecnológico transformador para aliar soluções globais e locais, nos preservando e protegendo, como à biosfera, no longo prazo.
Isso exige forte cooperação internacional, o que, como estamos vendo, não é fácil. Grinspoon não tem ilusões quanto ao horizonte imediato. Para ele, as mudanças climáticas já são realidade e ainda cobrarão enorme sofrimento, além de levar gerações futuras a se perguntarem como fomos tão letárgicos, com décadas de sobreaviso. Mas, em eventos como a COP, vemos que a mudança de atitude, embora lenta, está “em andamento”. O século 21 não será batatinha, mas haverá um século 22, e nele talvez a inteligência já tenha se instalado na Terra como um fenômeno planetário –e possivelmente a força mais benigna que o mundo já conheceu. Apesar dos nossos passos em falso, ainda há esperança para a humanidade.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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