Nasa lança nesta quarta (24) primeira missão para desviar rota de asteroide

Salvador Nogueira

A Nasa lança na madrugada desta quarta-feira (24) a primeira missão de demonstração da capacidade de desviar a rota de um asteroide. Chamada de Dart, sigla inglesa para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo, a iniciativa é relativamente modesta em custo (US$ 324 milhões), mas ainda assim histórica. Pare para pensar: humanos tentarão de forma pioneira demonstrar que podem promover a defesa do planeta contra um bólido celeste que esteja em curso para colidir conosco. Há 65 milhões de anos, os dinossauros não tiveram esse luxo.

Para começar, vamos tirar da frente as teorias da conspiração. Não, não há, até onde se sabe, um asteroide que possa nos ameaçar seriamente ao longo das próximas décadas. A população de bólidos matadores de civilização, com 1 km de diâmetro ou mais, já foi mais de 95% mapeada (são cerca de 900), e nenhum de seus membros traz perigo nas próximas dezenas de anos, pelo menos. Contudo, os asteroides de menor porte, com 140 metros ou mais, são uma população bem mais numerosa e menos conhecida (estimam-se que existam cerca de 25 mil deles, dos quais só conhecemos 39%). E, embora sejam incapazes de extinguir a humanidade, podem causar estragos locais consideráveis.

A Dart representa uma tentativa de lidar com o perigo oferecido por esses objetos. Sua tecnologia é a mais simples possível: mudar a trajetória de um asteroide simplesmente colidindo com ele, método de deflexão que os cientistas chamam de “impacto cinético”. Não tem bomba, não tem nada. É só uma pancada em alta velocidade, com um acidente de trânsito cósmico, que leve o asteroide a sofrer uma mudança de velocidade. Alterando isso, a órbita também se altera. E aí o asteroide que hipoteticamente ia bater com a gente de repente não bate mais.

Como o nome diz, trata-se de um teste. É para ver se funciona. O alvo escolhido é um asteroide que facilitará a medição do efeito da missão, mas que não oferece qualquer perigo para a Terra, agora ou depois da colisão com a Dart. Trata-se do astro duplo Dídimo (Didymos) e Dimorfo (Dimorphos). O primeiro, maior deles, tem 780 metros. O segundo, menor, é uma lua-asteroide, com 160 metros.

Partindo da Terra às 3h21 desta quarta (pelo horário de Brasília), a Dart tem um encontro marcado com o Dimorfo entre os dias 28 de setembro e 1º de outubro de 2022. O impacto da espaçonave deve, se tudo der certo, alterar a velocidade orbital dele. Não é lá uma grande massa, pouco mais de meia tonelada, mas numa colisão a 6 km/s – ou 21.600 km/h.

Dimorfo tem muito mais massa que a nave, de forma que, enquanto ela será inteiramente vaporizada pelo encontro (abrindo uma cratera nele), ele deve sofrer apenas uma sutil mudança de rumo. Se o asteroide estivesse vagando sozinho em órbita do Sol, a mudança talvez fosse sutil demais para ser identificada rapidamente. Mas é aí que entra a vantagem de escolher um astro duplo. Como Dimorfo completa uma volta ao redor de Dídimo em cerca de 12 horas, qualquer mudança de trajetória fará uma alteração detectável no período orbital, que os astrônomos poderão medir usando telescópios em solo. (A escolha da data do impacto tem a ver com isso – ele vai acontecer quando a Terra está perto de sua distância mínima de Dídimo, cerca de 11 milhões de km, facilitando as observações. A última vez que houve uma proximidade tão grande foi em 2003, e a próxima, só em 2062.)

Ao impactar contra o asteroide Dimorfo, ele deve reduzir sua órbita em torno do Dídimo. (Crédito: APL/JHU)

Os asteroides também serão estudados pela própria sonda, durante sua aproximação, e é possível que um pequeno satélite italiano (que viaja junto com ela) faça um registro do impacto em si. O LICIACube é da classe dos cubesats (tem o tamanho de uma caixa de sapatos, 30x20x10cm) e é equipado com duas câmeras para produzir imagens do encontro.

E aí, se tudo correr bem, a Terra está segura? Podemos esquecer de uma vez por todas da ameaça dos asteroides, contando que a Nasa está pronta para defender o planeta? Como você deve ter desconfiado, não é bem assim.

“A demonstração é muito importante, mas essa estratégia só será útil se tivermos aviso bastante antecipado de uma futura colisão”, explica Cristóvão Jacques, astrônomo do Observatório SONEAR, em Oliveira (MG), e principal descobridor brasileiro de asteroides próximos à Terra. “Se soubermos que um asteroide de até uns 300 metros estiver em rota de colisão com a gente em uns 10, 15 anos, daria tempo de preparar uma missão assim, implementar e encontrar o objeto a tempo de alterar sua órbita para que, com o passar do tempo, ele não atingisse o planeta. Mas se o aviso fosse de 2 ou 3 anos, esse método não daria certo.”

Daí inclusive a importância do trabalho dos astrônomos em continuar identificando todos os membros dessa vasta população de objetos potencialmente ameaçadores à Terra. Quanto antes descobrirmos um asteroide que tenha o nosso nome colado nele, maior a chance de podermos reagir para evitar o impacto.

E, claro, se o asteroide for muito grande, daquela categoria capaz de extinções em massa (como o que atingiu os dinossauros, que tinha algo como uns 10 km), mesmo com um longo tempo de aviso essa estratégia de simplesmente colidir uma nave com ele provavelmente seria incapaz de redirecioná-lo. “Felizmente, essa população já está quase toda descoberta e sabemos que não oferece perigo pelo próximo século”, completa Jacques.

A missão Dart é gerenciada pelo APL (Laboratório de Física Aplicada) da Universidade Johns Hopkins e será lançada por um foguete Falcon 9, da SpaceX, em sua primeira missão interplanetária a serviço da Nasa. O voo parte da Base da Força Espacial Vandenberg, na Califórnia, e a meteorologia no momento dá 90% de probabilidade de boas condições. Caso haja alguma violação dos critérios de missão, uma nova tentativa pode ser feita no dia 25.

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