Missão da Nasa para desviar asteroide sublinha perigos da tecnologia

Na última quarta (24), a Nasa lançou ao espaço a missão Dart, com o objetivo de alterar a órbita de um asteroide de médio porte (160 metros). A motivação é tão clara quanto nobre: testar uma tecnologia que poderá salvar a civilização de um futuro impacto, caso algum desses objetos seja descoberto em rota de colisão com a Terra.

Até o momento, mapeamos cerca de 40% da população de asteroides com 140 metros ou mais, e não há nenhum a nos ameaçar. Resta identificar os outros 60%, o que deve ocorrer nos próximos anos, com o trabalho diligente de astrônomos profissionais e amadores, somado a significativos projetos capazes de detecção em massa, como o futuro Observatório Vera Rubin, no Chile, que deve iniciar sua operação científica em 2023.

O que parece estar sendo pouco discutido são as implicações éticas de uma missão assim, provavelmente porque é muito difícil sensibilizar a opinião pública sobre questões que parecem remeter mais à ficção científica que à ciência (de vez em quando rola uma pandemia, e o pessoal se lembra de que essas coisas são todas reais e precisam ser amplamente conhecidas, sob risco de sucumbirmos à desinformação).

Em seu livro “Pálido Ponto Azul”, de 1994, o astrônomo Carl Sagan sublinhou o dilema, lembrando que a mesma tecnologia capaz de desviar um asteroide em rota de colisão com a Terra também pode apontar para a nossa direção um desses objetos que originalmente não trombaria conosco. Esse risco costuma ser descartado com o argumento “só um louco faria algo assim”. Ao que Sagan relembra nossa própria história. “Sempre que ouço isso (e é muitas vezes apresentado nesses debates), lembro-me de que loucos realmente existem. Algumas vezes eles alcançam os mais altos níveis de poder político em nações industriais modernas.”

Escrevendo no século 20, o astrônomo remete a figuras como Hitler e Stalin para exemplificar o drama. Adentrando já a terceira década do século 21, vimos que as coisas não mudaram tanto nesse aspecto desde então. Ainda hoje, loucos chegam ao poder e, quando o fazem, tomam decisões que sabidamente causarão enorme tragédia humana sem qualquer constrangimento ou sinal de empatia. Você sabe do que estou falando.

A Dart em si não é motivo para preocupação. Está em boas mãos e não traz risco para a Terra (não há como sua colisão com o asteroide Dimorfo, no fim de 2022, colocá-lo, nem por acidente, na nossa direção). Mas é inegável que estamos legando ao futuro um instrumento que, nas mãos erradas, pode, sim, vir a ser perigoso.

É mais um lembrete do eterno dilema que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos impõe, desde as primeiras lanças com ponta de pedra lascada. Se não vier acompanhado de ética e sabedoria, pode acabar causando mais mal do que bem. Parece ser o destino da humanidade lutar com valentia em busca de um caminho melhor para si enquanto dança distraidamente à beira do precipício.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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