A misteriosa estrela que pisca

Salvador Nogueira

Uma observação para lá de esquisita feita pelo satélite Kepler, da Nasa, está deixando os cientistas intrigados — e os entusiastas da busca por inteligência extraterrestre empolgados. Alguma coisa está bloqueando loucamente a luz de uma estrela a cerca de 1.500 anos-luz daqui.

Algo está bloqueando fortemente a luz de uma estrela. Cometas ou uma obra de engenharia alienígena? (Crédito: ESO)
Algo está bloqueando fortemente a luz de uma estrela. Cometas ou uma obra de engenharia alienígena? (Crédito: ESO)

Quando eu digo loucamente, é isso mesmo. O Kepler foi projetado para detectar pequenas reduções de brilho nas estrelas que observa, da ordem de uns poucos porcento, resultantes da passagem de um planeta à frente delas. Mas o que se viu no astro identificado pela sigla KIC 8462852 foi seguramente outra coisa: um monte de bloqueios enormes e aperiódicos da luz estelar — por vezes a um nível de até 80% do normal para ela — com duração entre 5 e 80 dias.

E aí a pergunta é: que diabos poderia estar provocando isso?

A astrônoma Tabetha Boyajian, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, e um grupo de colegas envolvidos com o projeto de ciência-cidadã Planet Hunters (em que usuários de internet analisam a base de dados do Kepler em busca de sinais potencialmente interessantes) se debruçaram sobre a enigmática estrela KIC 8462852, em busca de uma explicação. Os resultados estão em artigo publicado nos “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”.

Eles fizeram uma investigação completa do astro, identificando que se trata de uma estrela do tipo F típica, um pouco maior do que o Sol, com rotação de 21 horas, e então procederam com a análise de hipóteses que pudessem explicar o bloqueio de luz. Com isso, descartaram a possibilidade de que fosse uma variação natural de brilho da própria estrela, assim como a ideia de que uma outra estrela companheira próxima estivesse contaminando as medições.

Também testaram a possibilidade de que o bloqueio momentâneo e parcial da luz fosse causada por um disco de planetesimais (blocos formadores de planetas) ou um cinturão de asteroides mais denso. Mas nenhuma delas se encaixava tão bem.

Uma das possibilidades mais compatíveis com a observação é a ocorrência recente, naquele sistema, de um evento cataclísmico de colisão, como o que deu origem ao sistema Terra-Lua. (Só relembrando, em nosso Sistema Solar, 4,5 bilhões de anos atrás, um protoplaneta do tamanho de Marte colidiu com nosso mundo recém-nascido e ejetou grande quantidade de material ao espaço, que acabou se reunindo novamente para formar a nossa Lua.) O espalhamento de detritos poderia explicar o bloqueio de luz, mas os cientistas consideraram a hipótese pouco provável, pelo simples fato de que ocorrências como essa são raras, e as chances de flagrarmos algo assim “quase ao vivo” na amostra observada pelo Kepler (cerca de 150 mil estrelas), na exata posição orbital para ser detectada daqui, seria bem pequena.

No fim das contas, por conta disso, os pesquisadores consideraram mais provável que o fenômeno fosse explicado pela fragmentação de um cometa, com o consequente espalhamento de detritos ao longo de um volume grande de espaço, gerando na prática uma família inteira desses objetos. Eles são pequenos, é verdade, mas quando se aproximam da estrela começam a evaporar loucamente e podem bloquear uma quantidade significativamente grande de luz.

Essa hipótese é consistente com os dados observados (embora a falta de um excesso de emissão infravermelha “incomode” os cientistas, ela não chega a ser um elemento capaz de derrubar essa explicação) e não exigiria uma coincidência muito grande para explicar sua descoberta. O cometa poderia ter sido fragmentado por uma passagem próxima por um planeta de grande porte, ou mesmo pela estrela — acontece direto coisa parecida aqui no Sistema Solar — e sua presença ali poderia ser explicada possivelmente pela interação gravitacional com uma outra estrela que teria passado pelas cercanias de KIC 8462852 (com efeito, há uma anã vermelha bem pertinho, que pode estar em órbita da estrela, ou só de passagem).

Então, por ora, o que temos é isso. Provavelmente, uma imensa nuvem gerada por um conjunto de detritos de cometa que passa à frente da estrela com relação à linha de visada do Kepler (e de telescópios em terra). Não é seguro que seja isso mesmo, mas parece razoavelmente provável a essa altura.

Certo, onde é que entra a inteligência extraterrestre nisso?

UMA HIPÓTESE MAIS RADICAL
Outra forma de explicar os dados colhidos seria supor que uma civilização avançada estaria construindo, em torno de KIC 8462852, uma chamada esfera Dyson.

Concepção artística de uma esfera Dyson em torno de uma estrela (Crédito: longan drink)
Concepção artística de uma esfera Dyson em torno de uma estrela (Crédito: longan drink)

A ideia foi primeiro sugerida nos círculos científicos pelo físico britânico Freeman Dyson, em 1960. Ele indicou que uma civilização avançada com muita “fome” de energia poderia planejar uma mega-obra de engenharia construindo uma efetiva cápsula em torno de sua estrela — de forma a colher 100% da radiação emitida por ela.

No caso de KIC 8462852, como ora vemos a estrela, ora ela é fortemente bloqueada, poderíamos imaginar uma esfera parcial.

Essa hipótese incendiou as redes sociais ontem, principalmente depois que o astrônomo Jason Wright, da Universidade Estadual da Pensilvânia, declarou à revista americana “The Atlantic” que faria uma tentativa de detectar sinais de rádio artificiais vindos dessa estrela. Caso alguém por lá esteja mesmo construindo uma esfera Dyson, deve enviar sinais de rádio ao espaço, e alguns deles poderiam “vazar” na nossa direção. (Em se tratando de uma civilização avançada, e a uma distância relativamente modesta, cerca de 1.500 anos-luz, não chega a ser um despropósito.)

Wright está na dele — é o mesmo sujeito envolvido com a busca por sinais de supercivilizações em outras galáxias, que recentemente meio que deu com os burros n’água –, e em ciência não há ideia suficientemente absurda que não mereça verificação experimental. (Imagine se dissessem ao Einstein que era bobagem testar a ideia de que o espaço e o tempo são relativos, pois obviamente esse não era o caso!)

Agora, convenhamos, é muito, mas muito, MAS MUITO, mais provável que sejam mesmo os detritos de cometas.

Algumas razões: a estrela tem uma rotação bastante rápida (0,88 dias, contra, por exemplo, 24 dias do Sol), e sabemos que estrelas vão diminuindo sua rotação conforme envelhecem (inclusive essa é uma técnica que os astrônomos usam para estimar a idade das estrelas, chamada girocronologia). Ou seja, KIC 8462852 deve ser bastante jovem, o que significa que nem houve tempo para que se desenvolvesse ali vida, que dirá vida inteligente e uma civilização avançada.

Aí você pode supor que a estrela seja alvo de colonização de uma civilização nascida em outro sistema. OK, mas se esse é o caso, deveria haver uma outra esfera Dyson pelas redondezas, e não encontramos evidência disso até agora.

Por fim, há um argumento mais elementar — se uma civilização capaz de construir uma esfera Dyson está a apenas 1.500 anos-luz de distância, deveriam existir muitas esferas Dyson por aí.

Diversas buscas já foram feitas ao longo dos anos, usando dados de diversos satélites e telescópios, e nenhuma esfera Dyson inequívoca foi encontrada (embora houvesse alguns objetos meio suspeitos, nada apareceu que pudesse ser considerado evidência concreta).

Então, embora ainda não possamos descartar por completo que uma grande obra de engenharia espacial esteja acontecendo em torno de KIC 8462852, o Mensageiro Sideral não aposta suas fichas nisso.

Enquanto Wright requisita tempo no Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA, em Green Bank, os pesquisadores que fizeram a descoberta sugerem que continuemos de olho em variações de brilho da estrela (o que vai ser complicado, uma vez que o Kepler não monitora mais aquela região do espaço, e vai ser difícil convencer alguém a gastar longos tempos de telescópio olhando só para aquela direção) para tentar fechar uma explicação que seja satisfatória.

Por ora, teremos de viver com a dúvida. Mas esse é o sabor da ciência. É um trabalho de detetive, em busca de respostas. Sempre com a mente aberta, mas munidos de espírito crítico, prontos para propor ideias arrojadas e derrubá-las em seguida, caso não sejam corroboradas pela realidade das observações. Quem pode dizer que não se trata de um exercício intelectual fascinante?

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Comentários

  1. Olá Salvador, existe alguma novidade no modelo?

    O meus chutes:
    1) Manchas aberrações;
    2) Sistema em formação a meio caminho mas abortado;
    3) Mega estruturas.

    1. A novidade é um paper que parece descartar a hipótese dos cometas. Mas ainda acho cedo para dizer isso. Escreverei com vagar em breve.

        1. Pois é. No fim, é o que o Neil falou: muito provavelmente é só um fenômeno natural não observado antes. 😉

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