Tempo parcialmente nublado em Kepler-7b

Salvador Nogueira
Concepção artística compara o planeta Kepler-7b com o nosso bom e velho Júpiter

Esta foi a última divulgada antes do apagão da Nasa: pela primeira vez, um grupo de astrônomos conseguiu mapear — grosseiramente, é verdade — as nuvens de um planeta fora do Sistema Solar.

O alvo foi o planeta conhecido pelo pouco atraente nome Kepler-7b.  Como o nome já indica, trata-se de uma descobertas feitas pelo satélite caçador de planetas Kepler, que pifou recentemente (pelo uso de peças Tabajara em sua construção). Esse mundo é um gigante gasoso 50% maior do que Júpiter (o maior planeta do nosso sistema), só que numa órbita muito próxima de sua estrela — um chamado Hot Jupiter. (Não leve a mal o uso do termo em inglês. Desisti de traduzir essa expressão depois que descobri que o plural, em português, seria Jupíteres Quentes.)

Os estudos foram realizados combinando observações do próprio Kepler com a do Telescópio Espacial Spitzer, também da Nasa, que faz imagens nas frequências do infravermelho (e que completou 10 anos em órbita recentemente).

“Ao observar esse planeta com o Spitzer e o Kepler por mais de três anos, fomos capazes de produzir um ‘mapa’ de baixíssima resolução desse planeta gigante gasoso”, afirma Brice-Olivier Demory, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), primeiro autor do trabalho, aceito para publicação no periódico “Astrophysical Journal Letters”.

“Não esperávamos ver oceanos ou continentes nesse tipo de mundo, mas detectamos uma assinatura reflexiva clara que interpretamos como nuvens.”

E que bizarrice. Eles descobriram que o planeta tem nuvens bem altas no hemisfério oeste, e céu aberto no leste. “Diferentemente do que acontece na Terra, os padrões de nuvens nesse planeta não parecem mudar muito ao longo do tempo — ele tem um clima marcantemente estável”, diz Thomas Barclay, do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa.

Sabe-se que o Kepler-7b, apesar de ser maior do que Júpiter, tem bem menos massa. Sua densidade é tão baixa que, se alguém conseguisse colocá-lo numa imensa banheira, ele boiaria (bem, até aí, Saturno também). Sua temperatura é de cerca de 900 graus Celsius — menos do que o esperado para um mundo que completa uma volta em torno de sua estrela (um ano) em pouco menos de cinco dias. Ele orbita uma anã amarela um pouco maior e mais quente que o Sol, localizada a cerca de mil anos-luz da Terra, na constelação de Lira.

Ainda falta muito a aprender sobre esse objeto, mas em matéria de planetas fora do Sistema Solar é uma riqueza de detalhes sem precedentes.

Uma das coisas menos atraentes (por enquanto) dessa linha de pesquisa é que muito do que sabemos sobre esses mundos é mera inferência. Muito distantes e pouco brilhantes, é difícil observá-los diretamente, o que nos deixa apenas com os efeitos que eles causam em suas estrelas. Mas, pouco a pouco, isso começa a mudar.

Com o Spitzer, outros astrônomos já haviam conseguido fazer mapas meio crus de temperatura de alguns desses planetas gigantes, mas esta é a primeira vez que alguém “enxerga” nuvens.

E o que já dá para ver, nessas esparsas novidades, é que os mundos além do nosso Sistema Solar podem ser radicalmente diferentes dos que encontramos aqui. Há muito mais riqueza e variedade nos sistemas planetários do que os cientistas supunham meras duas décadas atrás — uma época em que ninguém sequer conhecia a existência de algum planeta orbitando ao redor de outra estrela que não o Sol.

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Comentários

    1. Raphael, é o tal negócio: pode haver vida diferente da terrestre, mas não temos nenhuma ideia firme de como ela seria, e portanto não saberíamos procurá-la. Por isso o foco total em “vida como a conhecemos”. Os cientistas até especulam sobre metabolismos alternativos, partindo de um raciocínio mais básico de que qualquer vida precisa processar moléculas de forma a gerar energia, tentando imaginar, por exemplo, vida nos lagos de hidrocarboneto de Titã. Mas isso tudo é altamente especulativo. Por ora, nada proíbe formas de vida radicalmente diferentes das terrestres, mas nada a legitima também. Só saberemos procurando…

  1. Como não conhecemos outros planetas, não conhecemos formas de vida extraterrestres, seria errado supor que, não deveríamos ter como base as características dos seres vivos terrestres ? Como são mundos diferentes, não poderíamos supor que a vida fora da terra seja diferente ? Que utilize outros tipos de compostos e elementos para sobreviverem ? Respiração diferente, alimentação diferente, características genéticas diferentes ? As teorias da existência de seres vivos extraterrestres, são baseados nos conhecimentos que temos aqui, mas seria certo dizer, que talvez os extraterrestres não sejam como nós ? Ou que não tenham as mesmas características que os seres vivos terrestres ?
    Fico aguardando a resposta, pois não sou nenhum astrofísico, mas sim alguém que gosta muito e gostaria de entender. Obrigado, e gosto muito dos seus posts Salvador, valeu 🙂

  2. Siderius Ares,

    Nossa geração certamente não vera esses planetas de perto! Pois se enviassemos uma sonda até o exoplaneta mais próximo, que orbita a estrela alpha centauri demoraria 100.000 anos para chegar lá. Com energia a base de combustão seria impossível chegarmos até la, teria que ser a base de ions.

    1. Rodrigo, você está certo, mas as coisas não devem ficar como estão. Tenho confiança de que os desafios para realizar voo interestelar serão superados. Talvez não em nossa geração, como você diz, mas eu também não descartaria.

  3. O viés humano de achar que tudo” começa” como a própria vida , está disseminando esta hipótese do um Big Bang, quem poderia admitir que ” vida ” como questão auto replicadora e interativa sempre existiu ?

  4. Salvador com a parada do Kepler, você sabe se existe algum outro projeto semelhante ao Kepler em andamento? Ou a caça a novos planetas vai ser só dos teles terrestres mesmo?

  5. Nos resta a angústia de observar, com olhos cada vez maiores e melhores, estas belezas inacessíveis! (Desde que Einstein nos ancorou à Terra com sua lei implacável)
    Ainda dependemos do fogo, digo, da combustão, para gerar energia!!!
    Onde estão os tokamaks?
    Que fenômenos distantes da natureza nos trarão idéias para uma fonte de energia abundante que nos permitirão conhecer essas belezas de perto?

  6. eu sei o que é ter muita fé, mais do que vida a partir de não vida, é numa tacada surgir um universo, ou um universo eterno no passado, ou que a necessidade física ou o acaso proporcionaram constantes da física e da química extremamente ajustadas para guiar a evolução de vida inteligente, isso sim é ter fé…

  7. Vida surgir de nao-vida! Essa teoria é muito mais palhaçcenta do que qualquer peça de humor negro que ja comtemplei! É…nesse contexto vejo que é necessario ter muita fé,muita fé mesmo pra acreditar que do nada surgiu tudo! Nem uma criança entenderia isso! 2-2 deve ser igual a…kkkkkkkkkkkk

    1. É verdade. Mais fácil acreditar em vida surgindo por mágica. Essa sim é bem séria. 😛

  8. A pergunta é meio bobona, mas…
    O Kepler-7b tem uma face mais exposta à sua estrela… ou é só impressão da imagem?
    Já se tem uma noção de seus “movimentos” como corpo estável?

    1. Não sei se ele está gravitacionalmente travado, com a mesma face voltada para a estrela. De todo modo, isso é menos relevante para planetas gasosos, porque o denso invólucro gasoso pode ter rotação diferente da do núcleo.

  9. como é intelectualmente gratificante a cada dia termos riquíssimas descobertas ainda que parciais sobre o universo, esta por exemplos vem como inúmeras outras descobertas tanto da parte teórica como observacional evidenciar a extrema improbabilidade de um mundo como o nosso finamente ajustado para comportar vida inteligente, as implicações metafisicas tem levado ao longo da progressiva viagem pelos cálculos e lentes, aos avessos a tais implicações as mais fantasiosas especulações e teorias, sem duvida a ciência nunca foi e nunca será a auto estrada para o ateísmo.

    1. Extrema improbabilidade de um mundo como o nosso? kkkkkkk
      Tem milhões e milhões de planetas no universo cara….só porque não tem vida em 50 planetas que descobrimos não quer dizer que não exista vida ^^
      Mas se você acredita que não existe vida em nenhum outro lugar, quem sou eu para falar que existe =)

      1. não Bruno em nenhum momento disse ter certeza de existir vida somente aqui, porém o fato de se elevar o numero de mundos possíveis no universo em nada afeta a extrema improbabilidade de um mundo comportar vida inteligente,o fato de cientistas em geral sóbrios recorrerem a inúmeros mundos e universos realmente é um elogio indireto a hipótese de um design para o universo.

    2. Me permita humildemente citar duas interessantes implicações metafísicas: a do cérebro de Boltzmann e a do princípio antrópico forte.

  10. O fato de termos corpos celestes completamente diferentes entre si, apesar de uma origem comum para todo o universo, só mostra que a existência de um não depende da existência do outro, um raciocínio que também pode ser aplicado à biologia quando se fala num tipo de evolução em que necessariamente a existência de um organismo estaria vinculada à existência de outro anterior a ele, que seria chamado de ‘ancestral’. Poderíamos imaginar um big-bang biológico onde diferentes espécies surgiriam independentes uma da outra, variando conforme as condições existentes num determinado local e num determinado tempo

    1. O problema com a sua hipótese do big bang biológico é a análise do DNA que revela níveis de parentesco entre as diferentes espécies.

      1. Na verdade, Salvador, se a analise do DNA revela parentescos entre diferentes especies, quem foi o primeiro ancestral? se isso estiver certo, quer dizer que viemos de um único ser, ou quer dizer que no começo de tudo existiam dois seres, (Adão e Eva?) rsrs. bom, o ciclo de evolução não se baseia completamente em parentesco, o Big Bang Biológico é uma hipotese boa, moléculas oriundas de uma explosão, nutrientes se ligando, ácidos nucleicos se formando e assim por diante até surgir uma forma de vida que se adapte e evolua.

        1. Sim, o primeiro ancestral precisa ter se formado de química não-viva. Mas a probabilidade de isso acontecer separadamente para todas as espécies, resultando em DNA que revela um falso parentesco entre elas, é inacreditavelmente baixa.

          1. Concordo, para todas as especies não seria o caso. Uma quimica não-viva, para um ser vivo, para milhares e assim por diante.

            Fascinante.

          2. Apenas uma observação neste caso, pegando o gancho da astronomia. Os planetas são diferentes apesar de serem constituidos dos mesmos elementos químicos ou mesmo moléculas (até organicas), em maior ou menor quantidade, e não tem qualquer ‘parentesco’ entre si. O DNA com estrutura semelhante para todos os seres vivos pode significar apenas os mesmos tijolos dos quais se constróem prédios diferentes. Quanto a probabilidades serem altas ou baixas, isso tudo é muito relativo, pois tembém é muito baixa a probabilidade de um organismo se diversificar tanto a ponto de ser o ancestral comum dos quase dois milhões de espécies conhecidas atualmente

          3. Na verdade, os planetas de um mesmo sistema têm parentesco, pois se formaram da mesma nuvem de gás e poeira. E o parentesco do DNA vai além da similaridade genética — está ligada ao código genético. Se tivéssemos múltiplas origens, teríamos múltiplos códigos genéticos.

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