O Kepler está morto. Longa vida ao K2!

Salvador Nogueira

Depois de pifar e ter sido desenganado pela Nasa no ano passado, o satélite caçador de planetas Kepler voltará oficialmente à ativa a partir desta sexta-feira. Os pesquisadores envolvidos com o projeto desenvolveram uma técnica para operá-lo mesmo defeituoso, e a agência espacial americana acaba de aprovar um orçamento de dois anos para a iniciativa, batizada de K2.

Em sua nova missão, o telescópio espacial buscará planetas nas constelações do zodíaco
Em sua nova missão, o telescópio espacial buscará planetas nas constelações do zodíaco.

É basicamente uma nova missão, com um velho telescópio espacial. Em sua operação original, o Kepler ficava o tempo todo apontado para a mesma região do céu, na direção das constelações de Cisne e Lira. Agora, ele apontará em diferentes direções do céu a cada época do ano. “A missão K2 irá observar campos-alvo ao longo do plano da eclíptica, a trajetória orbital dos planetas em nosso Sistema Solar, também conhecido como zodíaco”, afirma Charlie Sobeck, gerente da missão da Nasa.

Cada campanha de observação terá cerca de 75 dias. Esse é o tempo que o satélite terá para identificar planetas que passem à frente de suas estrelas — os chamados trânsitos planetários. Na prática, isso quer dizer que o K2 está limitado a descobrir mundos com órbitas curtas, menores que a de Mercúrio no Sistema Solar.

UMA SOLUÇÃO ENGENHOSA

Lançado em 2009, o Kepler foi originalmente equipado com quatro dispositivos destinados a mantê-lo apontado de forma estável no espaço. Pelo menos três dessas chamadas rodas de reação eram necessárias para controlar o satélite nos três eixos de apontamento (X, Y e Z). Como dois deles pifaram, só restaram outros dois, o que fez a Nasa decretar o fim da missão original, em agosto de 2013.

Então, os engenheiros tiveram uma ideia. E se eles usassem a pressão da radiação solar no lugar da terceira roda de atuação? Ela faria a estabilização num dos eixos, e os outros dois dariam conta do resto do serviço. Nascia o conceito da missão K2.

Como o telescópio espacial está numa órbita em torno do Sol, a direção de onde vêm as partículas do vento solar muda com relação ao satélite ao longo do tempo. Por isso ele precisa ser “reapontado” a cada 80 dias, mais ou menos, para se realinhar com o Sol e manter a estabilidade.

Por isso foi preciso mudar a estratégia de observação. Em vez de manter um único campo de visão o tempo todo, ele vai alternando o campo conforme avança em sua órbita ao redor do Sol. A Nasa fez testes entre fevereiro e março e mostrou que é possível controlar a espaçonave desse modo. Perde-se um pouco da sensibilidade original (ficou mais ou menos em um terço da original), mas ainda assim o potencial é para muitas descobertas.

PERDAS E GANHOS

Estima-se que, a cada bateria de observações, o Kepler monitore cerca de 10 mil estrelas simultaneamente. É bem menos que na missão original (150 mil), mas ainda assim um número suficiente para um bom número de detecções. Os pesquisadores estimam que o satélite consiga descobrir nos próximos dois anos cerca de 200 planetas com tamanho similar ao da Terra (com diâmetro entre 80% e 200% do terrestre) em torno de estrelas anãs vermelhas (menores e menos brilhantes que o Sol), com alguns deles na zona habitável — onde em tese pode haver água líquida.

Uma consequência interessante dessa mudança de planos é que, ao sair de seu campo de visão original, o caçador de planetas estudará estrelas mais próximas — o que, por sua vez, gerará alvos adequados para futuras observações de caracterização dos mundos descobertos. Em suma: poderemos procurar sinais de vida em sua atmosfera com equipamentos como o Telescópio Espacial James Webb, sucessor do Hubble agendado para voar em 2018.

Antes mesmo de ter seu orçamento de dois anos aprovado, a missão K2 já fez uma campanha de teste (denominada C0), que acaba de terminar. Embora a primeira bateria de observações efetivamente científica vá começar agora, no dia 30, é certo que os esforços preliminares já produzirão novas descobertas. A C0 aconteceu na direção da constelação de Gêmeos. Ainda em 2014, a C1, primeira campanha com foco científico, vai mirar entre Leão e Virgem, e a C2 apontará para Escorpião e Ofiúco.

Não sei quanto a você, mas já estou ansioso pelas novas descobertas!

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Comentários

  1. Parabens Salvador…leio todos os comentarios..vamos aguardar mais noticias, então.
    Grata.

  2. Como Salvador, sou leitor assíduo dos livros do Carl Sagan e em pequenas doses estou passando aos colegas de trabalho as publicações, comentários e respostas do Mensageiro Sideral.

    Temos que acender mais velas e repassar ao próximo para reduzir a escuridão da mente.

    Ruy Ney

  3. Puxando a brasa um pouco pra sardinha da “engenheirada”, palmas pro pessoal da NASA que conseguiu arrumar uma solução pro Kepler, que não serviria pra mais nada e agora vai voltar a ativa.
    Sou fã desses caras desde a Apolo 13.

  4. Puxa.. Em todas as excelentes matérias do Salvador, que tanto enriquecem minha mente, Faço questão de ler os comentários também, por que de acordo com o nível das perguntas e respostas, acaba que aprendemos mais ainda. o que me surpreendi e fiquei muito feliz, é que desta vez, só tiveram bons comentarios e elogios. Nada daqueles comentarios inúteis e vazios. Acho que a humanidade ainda tem solução.. Abraços …..

    1. Acho que é porque a grande parte dos “coleguinhas” que elaboram “aqueles” comentários ainda está comentando o post anterior… 🙂

      1. São refugos do G1, Junior Jorge e Luna Regina. Deve ter alguma matéria do Justin Bieber por lá. kkkk 😀

  5. Muito legal o programa, feito por idôneos donatários do espaço e quem sabe um dia descobrirão a saga da descoberta de outro mundos povoados!.. parabéns.

  6. Realmente , o trabalho da Nasa em desenvolver e criar tecnologias é impressionante. A cada ano que passa Descobrimos algo sobre a imensa e infinita galáxia.. Graças A Nasa E seus excelentes Profissionais em Diversas áreas .

  7. Salvador todos os planetas vistos até hoje pelos telescópios enviados, estão na nossa galáxia?

    1. Sim. E nem sei se “vistos” é a melhor expressão, porque eles são detectados de forma indireta. 😉

  8. Excelente matéria.

    Mensageirosideral está de parabéns.
    Raras matérias de bom nível como as suas em português. Minha leitura sobre espaço/astronomia é 99% por inglês, por isso parabéns pelo seu blog e continue assim 😉

    1. Junior, não tem jeito. Ele orbita o Sol a 75 milhões de km da Terra. Para que você tenha uma ideia, a Lua está a meros 380 mil km.

  9. qrido mensageiro, esplica essa duvida, ; tenho um papel de parede, no pc, tirado do site daNASA, q mostra a AREA HABITAVEL, onde entre todos ali, esta planeta KEPLER , bem maior q nosso, e tem as mesmas condiçoes de vida da terra, a duvida e seguimte;POR QUE GASTAR TANTO COM MARTE, SE JA E SABIDO DA EXISTENCIA DO kepler que ja DARIA RESULTADOS QUASE IMEDIATOS, sobre vidas, la fora?
    UM FORTE ABRAÇO, claudio.

    1. Claudio, se entendi bem, você está perguntando sobre o Kepler-186f, um planeta do tamanho da Terra potencialmente habitável. Sem dúvida é um objeto fascinante e, possivelmente, com maior chance de abrigar vida que Marte. Só que ele fica muito, muito longe, e gira em torno de outro sol, uma estrela chamada Kepler-186. Marte é nosso vizinho e gira em torno do nosso Sol, como a Terra. Temos tecnologias para mandar espaçonaves até Marte, mas infelizmente ainda não sabemos como enviar uma sonda até Kepler-186f. Por isso Marte é nossa melhor chance de estudar vida alienígena de perto, no momento.

      1. Discordo quanto a Marte ser o centro das observação considerando que lá existem sondas e até agora não encontraram qualquer evidência de vida – penso que os recursos e tecnologia deveriam ser destinados para Europa e Titã, esse sim podem surpreender a todos quanto ao descobrimento de vida, em nosso próprio sistema solar

        1. Jonas, a verdade é que é muito mais fácil ir a Marte do que a Europa ou Titã. Embora esses dois alvos sejam possivelmente mais promissores, são menos acessíveis. A ESA vai mandar duas sondas exobiológicas (capazes de detectar sinais de vida) para Marte em 2016 e 2018. Para Europa ou Titã, não há sequer projeto de uma sonda exobiológica.

          1. Nogueira, há alguns meses atrás (não lembro exatamente quando) a NASA aprovou a primeira etapa para iniciar uma possível missão de exploração em Europa. Já destinando alguns milhões para estudo de possibilidades e desenvolvimento primário de tecnologia (se não estou enganado esta primeira etapa já teve início em 2014 mesmo).

          2. Sim, reportei sobre isso na Folha. Mas não é uma missão exobiológica e sim de reconhecimento e caracterização. E mesmo assim é pra depois de 2020! Tem chão ainda!

  10. Suponho que o novo alvo do Kepler seja constelações semelhantes a de Cisne e Lira, ou seja, estrelas semelhantes ao nosso sol e anãs vermelhas, certo Salva?

    Ah! Vai preparar um post para o exoplaneta de numero 2.000? Graças ao Kepler já temos 1.800 e milhares aguardando confirmação.

    Abraxxx..

    1. Rodrigo, eles vão colher dados de todo tipo de estrela, de O (maior que o Sol) a M (anãs vermelhas). Mas terão menos objetos, porque as regiões da eclíptica têm menos estrelas (não coincidem com o eixo da Via Láctea). No fim, é uma missão inteiramente nova, com outros objetivos e métodos!

      1. Entendi!

        Estrelas do tipo O são mais macivas, ja vi que o foco da missão mudou.

        1. Sim, tem uns aspectos bacanas nesse novo foco. Querem entender migração planetária, por exemplo. Qualquer hora eu descrevo mais esse lance. Não quis sobrecarregar o post e tornar enfadonho para quem não deseja todos os detalhes. 😉

          1. Putz que dahora, Salvador. Sempre quis saber mais sobre migração planetária.
            Os gigantes do nosso sistema se distanciaram de nossa estrela, enquanto isso em outros sistemas planetários parece mais comum o contrario, ou seja, sistemas mais compactos.

            Manda na seqüência Salvador, vai ser show!!! 🙂

          2. Calma, Rodrigo. Por ora é uma questão em aberto. Eles vão tentar responder ainda. Teremos de esperar os dados do K2… 🙂

      2. Pensei que você ia dar uma pitadinha sobre a missão.
        Aguardemos então.

        1. Até vou! Provavelmente não vou aguentar esperar! Só não me pressione. Heheheh

  11. Impressionante o que os engenheiros da NASA conseguem fazer. Me lembrou da missão (e consequentemente do filme) Apolo 13, em que criaram um dispositivo em terra para filtrar o ar dentro do módulo lunar, utilizando instrumentos simples e rudimentares, e possibilitando que os astronautas fizessem o mesmo, salvando suas próprias vidas.

    1. O mais chato é perceber que não temos nem um dedo, nem a ponta da unha do dedo mindinho de participação nestas atividades de ponta.

      1. Ah vai. A gente teve um dedo mindinho no CoRoT, satélite europeu que antecedeu o Kepler. 😉

    2. Isso de consertar satélites e sondas da Terra é mais ou menos comum nesse meio – sem, com isso, diminuir um átimo os méritos. João Steiner, astrônomo brasileiro, já fez isso com a sonda Einstein americana “perdida” por erro de projeto óptico lá nos idos de 80: ele pediu para tentar ajudar, estudou os esquemas e garatujou umas equações… que como que colocaram óculos na sonda, que funcionou legal. Ganhou, por isso, carta branca dentro da NASA. : )

  12. Vida longa à Kleper !! Vamos aguardar por boas novas, além-espaço , ansiosamente . Existe algum projeto para substituição do satélite Kleper , para operar em plena capacidade ( 100% ) e com tecnologia mais sofisticada ?

    1. Luiz, teremos em 2017 a missão Tess, da Nasa, que vai buscar os mil planetas rochosos mais promissores para a vida, como esforço que precede a caracterização. Da ESA, teremos o Plato, mas esse vai demorar mais, 2024. Entre os dois, devemos ter a nova geração de supertelescópios em terra. E aguardo notícias interessantes dos instrumentos GPI (Gemini) e Sphere (ESO), que já começam a dar frutos na observação direta de exoplanetas (gigantes, por ora). Muita coisa boa!

  13. Parabéns Salvador pela matéria, Muito interessante. Acredito que o grande pulo do gato será com o James Webb.

          1. Depois dessa, dá até um frio na barriga…

            Cadê aquele pessoal que diz que o nosso sistema planetário é tranquilo, mesmo?

        1. Cometa mineiro deve ser feito de queijo no lugar do gelo. Mas a calda é de pinga……:)

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