Sonda faz ‘radiografia’ de calotas polares em Marte

Usando dados de um radar instalado numa sonda da Nasa em órbita de Marte, um grupo de pesquisadores acaba de apresentar a mais detalhada “radiografia 3D” das calotas polares do planeta vermelho.

Os dados tridimensionais, colhidos em mais de 2.000 órbitas completadas pelo Mars Reconnaissance Orbiter desde 2006, ajudarão a decifrar a história do fascinante passado de Marte e obter uma estimativa do tempo de formação das calotas que independe de modelos climáticos — um ótimo modo de validá-los, por sinal.

O instrumento é o Sharad, acrônimo para Shallow Radar, que produz imagens vendo como diferentes tipos de solo, a diferentes profundidades, produzem ecos de sinais transmitidos ao chão. Nas calotas, a tecnologia é perfeita para “enxergar” o que há sob a imensa quantidade de gelo depositada nos polos — principalmente dióxido de carbono congelado, mas também uma parcela significativa de gelo de água.

Interpretação dos dados de radar da MRO sobre a calota polar norte. Note algumas crateras marcadas sob o gelo. (Crédito: NASA/ASI/JPL/FREAQS/PSI/SI/WUSTL)
Interpretação dos dados de radar da MRO sobre a calota polar norte. Note algumas possíveis crateras marcadas sob o gelo. (Crédito: NASA/ASI/JPL/FREAQS/PSI/SI/WUSTL)

Há grande interesse em sondar a estrutura das calotas marcianas porque elas podem recontar a história climática do planeta — que, acredita-se, no passado tinha temperaturas muito mais amenas e atmosfera mais densa. Hoje é um deserto gelado e inabitável, senão para os mais resilientes microrganismos conhecidos na Terra.

De particular interesse nos dados, recém-publicados na revista científica de geofísica “The Leading Edge”, é a identificação de possíveis crateras que foram recobertas pelo gelo ao longo de milhões de anos.

A descoberta é especial porque a maioria das superfícies no Sistema Solar tem sua idade estimada com base em contagens de crateras. Considerando que a média estatística de impactos é mais ou menos regular para um mesmo astro, pode-se afirmar que, quanto mais crateras há num terreno, mais antigo ele é. (Funciona para a maioria dos mundos rochosos, mas não para todos; em alguns deles, como a Terra e Vênus, a atmosfera densa e a presença de vulcanismo geologicamente recente “apagam” mais rapidamente sinais de impactos. Para Marte, contudo, é um método bastante seguro.)

Ou seja, ao contar crateras recobertas pelo gelo, é possível tentar estimar a idade das diversas camadas nas calotas e, assim, reconstruir sua história, de maneira independentemente dos modelos climáticos marcianos (que contam sua própria narrativa sobre as calotas). Com duas linhas diferentes de evidências, fica muito mais fácil para os cientistas identificarem o que de fato aconteceu por lá nas últimas centenas de milhões de anos.

A VOLTA DA SPACEX
E, por falar em exploração de Marte, a empresa americana SpaceX terminou sua investigação do foguete Falcon 9 que deu chabu na plataforma de lançamento em setembro do ano passado. A falha foi nos tanques de hélio que, se muito resfriado, podem apresentar fissuras onde se acumula oxigênio líquido, por fora, o que aumenta o risco de falha e combustão — exatamente o que aconteceu da última vez. Com novos protocolos para o abastecimento do hélio e planos para redesenhar completamente os tanques de hélio no futuro, a companhia pretende retomar seus voos no próximo dia 8, domingo, com o lançamento de satélites para companhia Iridium. O Falcon 9 deve partir da base de Vandenberg, na Califórnia, uma vez que a plataforma usada pela SpaceX na Flórida foi seriamente danificada na explosão de setembro.

Portanto, dedos cruzados no domingão. Do sucesso comercial da SpaceX dependem os futuros planos do magnata Elon Musk, que quer iniciar a colonização de Marte na próxima década usando uma arquitetura espacial desenvolvida por sua própria companhia.

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Comentários

  1. Só eu fico imaginando enterrar umas 2 mil bombas H dentro dessas calotas de gelo em Marte e depois explodir tudo pra ver onde essa água toda vai parar?

  2. Salvador existe algum estudo que mostre o quanto de água Marte possui? A quantidade no solo e subsolo pode chegar a preencher algum oceano na terra?

    1. Sim. Estimativas sugerem que um oceano global de vários metros de profundidade seria possível se derretessem toda a água no subsolo de Marte.

  3. Esse “gelo” marciano pode ser totalmente INÚTIL para o consumo humano, haja vista que, MARTE, é um planeta extremo, irrespirável, totalmente devastado/destruído/morto e com temperaturas médias de apenas -63ºC.

    Tudo bem que, há de se investigar “in loco”, mas o produto final pode não corresponder ao esperado.

    Ouso dizer que, o mundo distópico de Mad Max seria um verdadeiro paraíso se comparado com esse inferno marciano.

    1. Sem dúvida que o mundo distópico de Mad Max é bem melhor que Marte. Mas gelo é gelo. H2O. Mesmo que tenha impurezas, você extrai, ferve a 100 graus, e só a água vai evaporar. Pronto. H2O purinha. Eu diria que a água de Marte, supondo que não tenha vida, é mais pura que a do futuro distópico de Mad Max… 😉

  4. Salvador, considerando os fatores ambientais dos nossos dois planetas vizinhos, qual seria mais propício a um processo de Terraformação?
    Vênus, com quase a mesma gravidade que a nossa, mas uma atmosfera densa e agressiva. Marte, atmosfera rarefeita, gravidade metade da nossa.
    Mil anos seria suficiente?
    O desvio de cometas com H2O poderia abastecer Marte de água e posteriormente atmosfera. E o uso intensivo de organismos genéticamente modificados poderia nestes mil anos alterar a atmosfera venusiana.
    Que crês?

    1. Vênus é inviável. O problema é a atmosfera, que é densa demais (90 vezes mais que a Terra). Não teríamos o que fazer com essa massa, ainda que pudéssemos nos livrar da atmosfera. Marte é disparado o mais simples de resolver. Basta derreter as calotas polares. Isso adensaria a atmosfera, aumentaria o efeito estufa e tornaria água estável na superfície.

      1. É possível estimar uma temperatura média aproximada com esse efeito estufa? e a Ideia do Antonio, de lançar um cometa lá, não ajudaria a acelerar esse processo?

        1. Sim, duro é lançar um cometa… rs
          Sobre as temperaturas, vai depender de quanto material tiver nas calotas…

  5. Esse gelo não corre o risco de ser gelo seco que não serve pra nada e estão pensando que é água? Ciência astronômica gosta muito de chutar pra ver se acerta ou causar reboliço.

    1. Não, não corre. A assinatura espectral é bem diferente. Marte está cheio d’água. Mas a composição de deutério nas calotas indica que já teve 6 a 7 vezes mais do que sobrou agora… 😉

  6. Legal, quer dizer então que seremos nós os “extra-marcianos” lá no planeta vermelho, são os marcianos que vão ficar dizendo que nos viram, foram abduzidos e tal e coisa… não o contrário.

    1. “Necessidade” é uma palavra complicada. Qual era a necessidade de estudar emissão de luz coerente estimulada? Nenhuma. Mas esses estudos nos deram o laser, que hoje é usado em praticamente tudo, do seu aparelho de DVD, às fibras ópticas que transmitem os dados de internet, às cirurgias que corrigem miopia e curam catarata. O que a exploração marciana pode nos dar no futuro? Não sabemos, mas é certo que sempre que tentamos romper limites e desenvolver novas tecnologias, benefícios para todos na Terra acabam aparecendo.

      Bem, essa é a perspectiva de curto prazo. A de longo prazo é que Marte pode nos oferecer não só uma melhor compreensão sobre a existência de vida no Universo, mas também propiciar um futuro para a vida inteligente terrestre. Trata-se do planeta menos inóspito do Sistema Solar, fora o nosso, onde a humanidade poderá estabelecer uma colônia e, assim, prevenir uma extinção da espécie por catástrofes naturais ou artificiais, ocupando simultaneamente dois planetas.

  7. Quando fala em “Calotas Polares”, qual delas contém mais Água? Sabe o volume?
    Parece que uma delas possui maior concentração de Água que a outra com mais CO².

    1. Ambas são em sua maioria de água, recobertas por uma camada de dióxido de carbono. O volume da calota norte é maior que a do sul. Desconfio que a norte tem mais das duas coisas…

  8. Quero estar vivo quando Elon Musk e sua Space X pousarem a Marte. Se tudo der certo em uma década chegaremos lá. Vou estar com 46 anos se a promessa se cumprir. Me sinto privilegiado por viver numa época em que isso é possível.

    PS: Nesse meio tempo, odiaria ir pro beleleu faltando tão pouco para a humanidade chegar até Marte. Na verdade, quero viver até podermos viajar em dobra espacial. Que a medicina se vire para dar o seu jeito!!! 😛

    1. Caro Victor, sem ofensa, você ainda é uma “criança”, com apenas 36 anos… cuide-se e viverá bem até os 100 anos e poderá ver muita coisa boa sendo descoberta. 🙂

      (Cuidar-se é não beber, não fumar, não usar substâncias perigosas, ter uma alimentação saudável – sem fanatismo – não se arriscar tolamente em alta velocidade pelas estradas e ruas brasileiras… enfim, viver bem e com equilíbrio.)

      Abraços de um sexagenário (65 anos). 🙂

      1. “…não beber, não fumar, não usar substâncias perigosas, ter uma alimentação saudável – sem fanatismo – não se arriscar tolamente em alta velocidade pelas estradas e ruas brasileiras…”

        Pô, Rad.. então qual a graça de viver até os 100 sem fazer nada disso? 😀 🙂 😀 🙂

        1. A graça é viver o suficiente para ver todas essas maravilhas que a exploração irá trazer… Não é suficiente? 😛

        1. Você é pessimista, Raf 😉 pode, sim, viver com equilíbrio e com moderação , sem fanatismos, usufruindo de tudo que é bom e, assim, viver mais… 🙂

  9. Aqui na Terra os cientistas estudam a evolução do clima da Terra retirando profundas amostras de gelo tanto do ártico como do continente antártico. O gelo preserva microbolhas contendo uma amostra de ar eras passadas e tal como um fóssil preservado em âmbar, trás informações preciosas de como era clima em tempos remotos.

    Assim sabemos, quais que eras foram mais frias, que eras foram mais quentes, dependendo dos níveis de CO2 na atmosfera. Sabemos também que no cretácico os níveis de oxigênio na atmosfera eram mais abundantes, o que em parte, poderia explicar como os animais daquela época se tornaram gigantes. Quanto maior o nível de oxigênio disponível, mais as espécies tendem a se desenvolverem.

    Bom, penso que o gelo da calota norte de Marte é remanescente direto daquele antigo oceano que um dia cobriu o seu hemisfério norte. Também é um lugar perfeito para procurar indicadores de como era atmosfera marciana à bilhões de anos, com certeza existem microbolhas de ar congeladas que remontam à época em que o nosso vizinho tinha água líquida correndo livre pela superfície. Quiçá até fósseis de possíveis bactérias congeladas. Precisamos colher e estudar amostras de gelo das calotas marcianas.

    Fico pensando se uma suposta bactéria congelada na calota polar marciana, poderia ser revivida.

    Para mim as calotas marcianas preservam os segredos mais preciosos de Marte.

  10. Salvador, terraformação é considerado uma alternativa viável para o futuro? Ou fica só no campo da ficção mesmo?

    abraço

      1. e acho que seria interessante estudar tudo o que for possível antes de começar a “estragar” a superfície do planeta com a Terraformação, náo é mesmo?

        1. Ah sim. Acho que a terraformação só vai ser defensável se (1) demonstrarmos que Marte está morto ou (2) demonstrarmos que as formas de vida marcianas se beneficiariam com a terraformação.

          1. Interessante essa perspectiva ética.
            É possível explicar um pouquinho mais?
            Salvador você acha que conseguiremos estabelecer esses princípios se mesmo aqui não conseguimos fazer?
            É provável que no futuro quem tiver mais dinheiro é quem vai chegar a Marte, sem acordo prévio com as nações.
            E outra questão: concordando com seu posicionamento, o que podemos fazer para que esta ética “colonizadora” seja posta em prática?

      2. Sim, imagino que não veremos isso nem nos nossos próximos 100 anos. Mas só queria saber se os cientistas tratam isso como uma possibilidade séria.

        Obrigado pelo tempo e pela resposta!

        abraço

  11. Bom dia e feliz ano novo Salvador!

    Fico imaginando a coragem dos primeiros navegadores que se arriscaram a “cair depois do horizonte” e serem devorados pelo desconhecido; hoje a viagem a Marte ainda que não contemple a “perna” de volta eu acho que teria coragem suficiente para encarar o “onde nunca o homem teria chegado”. Seria psicologicamente comprometedor, mas usando as tecnologias atuais seria mais fácil enfrentar os dragões do além horizonte e até mesmo postando imagens no Face Book ainda que com um grande time delay.

  12. Salvador,

    Qual a probabilidade de uma bactéria terráquea super-resistente já tenha chegado (com vida) a marte a bordo de nossas sondas e jipes de exploração?

      1. Mas seria possível a bactéria sobreviver à viagem? Á falta de oxigênio?

        E qual a probabilidade de essa bactéria ter se adaptado a Marte e se reproduzido por lá?

        1. Tem muita bactéria que não precisa de oxigênio. E sob estresse ambiental, elas viram esporos, ficam dormentes, até encontrar um ambiente propício. Já se mostrou que elas podem resistir como esporos por muitos milhares, possivelmente milhões de anos.

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